domingo, 31 de maio de 2009

Negócio da música equalizado


Do sistema analógico ao digital, do CD ao compartilhamento de arquivos, o hábito de ouvir música mudou radicalmente nos últimos anos. Mudou tanto, que "revolução" parece ser a melhor palavra para descrever o sem-número de invenções, fatos e descobertas em torno do assunto. Nesse contexto repleto de permissividade, consumidores, empresas de telecomunicação, provedores de conteúdo e fabricantes de mídia virgem só têm a agradecer. Do outro lado da balança, não há motivo para tanto: artistas, gravadoras e distribuidoras são os principais lesados por este processo em plena ebulição.

O que nos conduz ao cerne da questão: como equilibrar uma equação em que cada elemento é indispensável para manter viva a cadeia produtiva da música? Entre as respostas disponíveis está o Last.fm (www.last.fm), site que remunera o artista toda vez que sua música é executada, e hoje acumula um dos maiores catálogos do mundo fonográfico. Disposto a discutir o futuro da música na internet, o responsável pela aquisição de conteúdo da Last.fm, Jonas Woost, estará no Recife como um dos convidados do Porto Musical, que acontece de 17 a 20 de junho, no Bairro do Recife. Na entrevista a seguir, ele explica como a Last.fm está fazendo da música "líquida" um bom negócio.

Entrevista // Jonas Woost: "Artistas que querem ganhar dinheiro precisam ser empreendedores"

Transmitir música pela internet pode ser algo rentável para gravadoras e distribuidoras. E para os artistas, é bom negócio?
Artistas são extremamente beneficiados pelos serviços de streaming pela internet. Além de dar publicidade a eles, a Last.fm paga em dinheiro a cada vez que suas músicas são tocadas. Chamamos isto de "Programa de Direitos Autorais para Artistas".

No que a Last.fm difere das demais rádios online e sites como MySpace? Como competir com outros serviços de rádio via web, que não cobram nada pelo streaming?
Uma das maiores características da Last.fm são as recomendações. Baseados nos hábitos musicais do ouvinte, temos condições de recomendar qualquer tipo de música para qualquer pessoa. Como existe muita música disponível, a capacidade de filtrar é uma das funções mais importantes nos serviços de música na internet.

Que vantagens artistas iniciantes podem ter com esse modelo de transmissão?
Vinte anos atrás, se você quisesse mostrar seu trabalho para muita gente, teria que assinarum contrato com uma gravadora. Sem isso, as rádios simplesmente não tocariam sua música, as revistas não escreveriam sobre você, e você não estaria habilitado a colocar sua música nas lojas. Isso mudou completamente. Agora, qualquer músico pode tecnicamente alcançar qualquer pessoa conectada à internet diretamente. Isso torna o negócio justo para todos, mas traz novos desafios. Com tantos artistas em busca de fãs, como uma banda pode ter certeza que será notada? Serviços como a Last.fm podem ajudar nisso.

Qual a principal fonte de renda da Last.fm?
Nós ganhamos dinheiro com publicidade, mas também temos renda com assinaturas.

Você concorda com a tese de que a música gravada hoje funciona mais como cartão de visitas para shows, que agora são a principal fonte de lucro?
Ultimamente, muitas pessoas dizem que shows são mais importantes do que a música gravada, mas eu não creio que isso possa ser aplicado a todos os casos. Sim, há certos artistas que obtém sucesso fazendo turnês, e os fonogramas ajudam a promover isso. Mas por outro lado há muitas bandas que simplesmente não fazem shows, ou fazem sem receber nada em troco. Mas nós aprendemos que não há modelo de negócio para quem faz música. Cada artista precisa encontrar sua forma de fazer dinheiro: alguns venderão CDs e downloads, outros cairão na estrada, outros talvez venderão camisetas. Ou uma combinação de tudo isso. Além disso, haverá novas ideias que nem suspeitamos ainda. Artistas que querem ganhar dinheiro precisam ser empreendedores.

Alguns países adotaram a taxação de dispositivos de mídia como forma de compensar artistas, produtores e distribuidores. Na sua opinião, esta é a melhor saída para descriminalizar a livre troca de conteúdo?
Ficou claro que não é solução perseguir pessoas por compartilhar música "ilegalmente" na internet. A música continuará sendo compartilhada, e ninguém pode impedir isso. Mas há ideias sobre como assegurar o pagamento de artistas pela música disponível de graça na rede. Cobrar um "blanket fee" (algo como uma taxa quecubra todos os custos do serviço) por ponto de conexão com a internet é uma solução interessante. Algumas pessoas chamam de "imposto", mas eu prefiro "taxa". Se tenho que pagar uma quantia mensal que me permite baixar, ouvir e compartilhar música à vontade, e com isso facilitar minha a vida, quero ter certeza que os artistas estão recebendo por isso.

sábado, 30 de maio de 2009

A Terra pede socorro


CENA DE "O PLANETA", FILME ESCANDINAVO A SER EXIBIDO HOJE, NO PLANET.MOVE

O meio ambiente está na pauta mundial e a linguagem do cinema talvez seja a mais indicada para aprofundar o tema. Entre produções comerciais e independentes, a recente produção audiovisual por vezes escapa da tendência oportunista que tem movimentado rios de dinheiro com produtos supostamente ecológicos. Mais do que alertar para as consequências, são obras que convidam a investigar as causas da degradação do planeta.

Há boas chances da programação do planet.move, mostra de filmes ambientais que chega hoje ao Recife, trazer obras com esse perfil. Por isso, não há motivo para espanto se, para chegar ao ponto, eles tratarem de política, economia e outros temas bastante humanos.

Até a próxima quarta, entre 17h e 19h, a mostra exibirá dez documentários no Cinema Apolo (Bairro do Recife), com entrada franca. Como estratégia de aproximação, quatro das produções são brasileiras: Herança, de Carolina Berguer, apresenta uma comunidade de agricultores gaúchos que resiste aos grandes latifúndios ao redor; Urubus têm asas, de Marcos Negrão e André Rangel, sobre catadores de caranguejo no Rio de Janeiro que convivem com a poluição no manguezal; Encontro com Milton Santos, de Sílvio Tendler, uma grande entrevista com o geógrafo que preferia chamar a globalização de "globaritarismo"; e Nas terras do bem-virá, de Alexandre Rampazzo, conta histórias de nordestinos que migram para a Amazônia.

Entre os estrangeiros estão O planeta, radiografia das mudanças climáticas de vinte e cinco países; A grande liquidação, sobre efeitos da privatização de serviços públicos básicos; Entre a meia-noite e o canto do galo, investigação das ações da EnCana, empresa petrolífera do Canadá que parece, mas não tem nenhuma responsabilidade social ou ambiental; Vida sem controle, sobre experiências genéticas em plantas, animais e seres humanos; Nós alimentamos o mundo aborda a má distribuição da comida; encerrando a mostra, Os homens do lago apresenta a vida no menor vilarejo da Bolívia, que está prestes a desaparecer.

No Brasil, o planet.move já visitou cinco cidades e ainda passará por mais três. Quem organiza e patrocina o evento é a Ecomove, organização alemã de alcance internacional voltada ao apoio e divulgação de filmes de temática ambientalista. No Brasil, há parceria com o Instituto Goethe, a ECOBahia - Festival Internacional do Audiovisual Ambiental, e o Ministério do Meio-Ambiente da Alemanha. No Recife, a realização da mostra é de responsabilidade do Centro Cultural Brasil-Alemanha (CCBA).

Programação

Hoje, às 17h
Herança (Brasil, 2007)
O planeta (Suécia/Noruega/Dinamarca, 2006)

Amanhã, às 17h
Urubus têm asas (Brasil, 2007)
A grande liquidação (Alemanha, 2006)

Segunda, às 18h30h
Entre a meia-noite e o canto do galo (Canadá, 2005)
Encontro com Milton Santos (Brasil, 2006)

Terça, às 18h30
Vida sem controle (Alemanha, 2004)
Nós alimentamos o mundo (Áustria, 2005)

Quarta, às 18h30
Os homens do lago (Bolívia/Estados Unidos, 2007)
Nas terras do bem-virá (Brasil, 2007)

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Novas configurações do trabalho



O sociólogo pernambucano Francisco de Oliveira participa hoje, às 19h, do Seminário Mutações - a condição humana. Doutor pela USP, onde é professor titular, ele está de volta ao Recife para falar sobre o assunto através do marxismo, ideologia com a qual se notabilizou como pensador do universo político, social e econômico.

A conferência Marx e a condição humana procura compreender um novo contexto, em que o produtor é subjugado pelo produto, e a identificação entre trabalho e trabalhador é cada vez menor. De forma que, se o marxismo considera o trabalho como centro da atividade humana, até ele está em crise, afirma Oliveira, em entrevista ao Diario.

O Seminário Mutações segue até o dia 5 de junho. Para participar das conferências, sediadas no Memorial de Medicina de Pernambuco, basta procurar o Centro Josué de Castro (fone: 3423-2800). As inscrições custam R$ 30 e R$ 15 (estudantes e maiores de 60 anos), e também podem ser feitas no local do evento.

Entrevista // Francisco de Oliveira: "A tendência à despolitização é mundial"

Que ferramentas o marxismo oferece para compreender a atual condição humana?
O marxismo está num grave impasse teórico. Não por causa do fim da União Soviética, não é nada disso. Mas sim porque centrou sua compreensão do homem no trabalho, que é o centro da reflexão marxista sobre a condição humana. E o trabalho mudou de forma, os processos do capital transformaram a identidade dos trabalhadores. É claro que o trabalho não desapareceu. Hoje trabalha-se mais do que nunca.

Em ensaio publicado no livro Mutações, o senhor afirma que a ciência elevou a produtividade do trabalho a ponto de torná-lo banal, quase supérfluo. Ao mesmo tempo, o gigantesco contingente de trabalhadores tem sido o trunfo de países como Brasil, China e Índia. Como explicar essa contradição?
O Brasil não tem esse trunfo. Mas a China e Índia têm, porque lá predomina o trabalho no modelo industrial do século 20. Coisa que o Ocidente não tem mais. Nos países desenvolvidos, o desafio mais forte é teorizar sobre a descentralidade do trabalho, essa grande revolução capitalista. Já o Brasil é um caso especial, pois mistura tudo. Há um exército informal formidável, que trabalha mais do que os formais, sem pertencer a classe social alguma. É uma geléia amorfa, de onde se tira um subproduto. Por isso, a identidade entre o trabalhador e seu trabalho é algo difícil de estabelecer.

No mesmo texto, o senhor diz que o novo mundo ainda não está totalmente desenhado, e mesmo assim acredita que ele será abundantemente rico e escandalosamente pobre. Não haverá outras possibilidades em jogo?
Não. Eu trabalho com ciências sociais, e até onde ela nos fornece ferramentas para observar a sociedade, só vejo esses dois extremos. E não só nos países pobres e sua situação escandalosa, mas também nos ricos, onde cada vez mais cresce a desigualdade. Se após o breve sucesso do estado de bem-estar (welfare state) as desigualdades nos Estados Unidos e Europa diminuíram, a partir do domínio do neoliberalismo elas voltaram a aumentar. Agora, com essa crise avassaladora,vemos cenas que a memória americana havia deletado, como trabalhadores em cidades industriais fazendo fila para receber comida. E essa desigualdade não se corrige pela economia, mas pela política.

O grau de interesse dos brasileiros pela política parece ser cada vez menor. Até que ponto essa indiferença é válida enquanto indignação?
Indignação é necessária, mas não faz política. É preciso dar um passo adiante, e isso a sociedade brasileira não deu. A tendência à despolitização é mundial. Isso tem a ver com a política feita através da economia, que é a atual forma de colonização. Uma exceção é a recente eleição de Barack Obama, onde jovens foram às urnas, e várias decisões importantes estão em jogo. Será que, no Brasil, iremos renovar o mandato de José Sarney com o mesmo entusiasmo?

Nesse contexto, o senhor, que é um dos fundadores do PT e também do PSOL, continua a acreditar na política partidária?
A política institucional do país hoje é quase irrelevante. A gente passa a vida lendo jornais e televisão,e isso é um divertimento, pois não toca em questão essencial alguma. Sabemos das patifarias de Sarney, e também da união entre Renan Calheiros e Lula para encontrar formas de barrar a CPI da Petrobras. Gastamos nosso cotidiano acompanhando essas notícias sem importância, porque não é nisso que se orienta a direção do estado. Preste atenção nos jornais: sempre há uma fotografia do presidente do Banco Central, porque ele é quem manda na política econômica. O que decide o rumo da sociedade não passa pelo Congresso.

Há pouco tempo, países hoje chamados de "emergentes" eram classificados como de "terceiro mundo". Além da troca de nomes, há mudança efetiva?
Isto é um eufemismo, essencialmente não mudou nada. "Emergente" é uma palavra neutra, sem conotação política. É uma mudança de vocabulário que revela a despolitização do discurso. Se algo está mudando, é por iniciativa dos próprios países. Por exemplo, China e Índia não podem ser chamados de emergentes ou de terceiro-mundistas, pois estão no centro da nova estrutura capitalista mundial.

Como o senhor avalia a crise econômica mundial?
A crise é algo próprio do capitalismo, ele se move em crises. A normalidade que os analistas falam não existe, quem lê a história do sistema sabe disso. Algumas crises são quase fatais, como a dos anos 30. A crise atual é uma rearrumação poderosa, devido ao fato de que o desenho das instituições financeiras não corresponde mais ao poder real que está em jogo. Não é uma crise fatal, isso só existe quando os "de baixo" não aguentam mais, e os "de cima" não sabem o que fazer. Mas diferente daquela crise, que gerou os fundamentos do estado de bem-estar social, desta vez, não se vê sair nada.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Mais que nunca é preciso cantar



Lá se vão 30 anos desde que Geraldo Maia começou a cantar. Foi durante o Festival de Inverno da Unicap. "Uma das coisas mais legais que tinha na cidade", conta o artista, em entrevista ao Diario de Pernambuco. Na noite de hoje, outra data emblemática será celebrada, pois Geraldo completa 50 anos de vida. A idade nova não passará em branco. Ela será marcada por um show, em homenagem a uma grande influência como mais do que um presente ao público. Dada a força do repertório, está mais para oferenda.

Maia prefere manter segredo sobre o repertório do show Imitação, que apresenta logo mais, às 21h, no Bar Seu Cafofa (Estrada do Encanamento, 1400 - Casa Forte). "Se eu disser, tira a surpresa. Só adianto que não vou imitar ninguém", brinca, em referência ao título, que na verdade tem a ver com uma composição do baiano Batatinha. O som é por conta da banda Fio da Meada, a mesma que toca no último álbum, Peso leve (2008): Rodrigo Samico (violão), Amarelo (percussão) e Publius (bandolim).

Ele acrescenta que Imitação entra em temporada no mesmo local, em julho. Na entrevista a seguir, convidamos Maia a fazer um balanço dos erros e acertos de sua trajetória.

Entrevista // Geraldo Maia: "Continuo ávido por novidades, por novas conquistas"

Que lições você tira dos 50 anos?
Sinto que cinquenta anos é um tempão, e ao mesmo tempo não é nada. Não estou desdenhando, mas é porque ainda tenho muito o que fazer. Mas me sinto como um jovem de 25, 30 anos, porque tenho vontade de me aperfeiçoar, de compor mais. Continuo ávido por novidades, por novas conquistas. Ainda tenho muito o que aprender.

Quais sonhos ainda podem se concretizar?
Quero ampliar o espectro do meu trabalho, ganhar uma realização artística que possibilite viajar mais, fazer mais shows e consolidar meu trabalho. Talvez seja a minha maior inspiração. Quero fazer novos discos. Tenho pelo menos dez na cabeça.

Você se arrepende de algo?
Na minha adolescência, queria ser artista e demorei muito a assumir isso de forma mais explícita. Tinha conflitos em casa, meu pai não queria que eu seguisse carreira artística. Minha preparação sempre foi na vida e não no plano formal. Se me preparasse desde cedo, talvez me tornasse um artista mais completo.

Você considera positiva sua rebeldia da juventude?
Havia uma inquietação com a ditadura. Meu pai era comunista e acreditava piamente na revolução bolchevique. A maior mensagem dele era igualdade e justiça. Ele ajudou muito a fazer esse contraponto, apesar de ele mesmo ser uma figura violenta e repressora. Então tudo o que eu gritei contra foram formas de me salvar e me colocar no mundo.

Seu pai era contra sua carreira artística. Onde você buscou força para a carreira de músico?
Havia algo em mim que continua muito forte, de querer dizer algo para o mundo. Essa pulsação que alimentou esse desejo contra tudo e todos os obstáculos. A razão maior da minha vida é a música.

Como foram os primeiros anos?
Me juntei ao grupo de Lula Queiroga, Zeh Rocha, Múcio Callou, Don Troncho, Tito Lívio e Lenine, que estava quase de partida para o Rio de Janeiro. Lançamos o Projeto Mural no Centro Luiz Freire. Era nossa tentativa de articulação, de trocar experiência, de buscar um norte. Essa época foi muito difícil não só pela ditadura, mas porque havia poucos recursos e profissionalização.

Você foi morar em Portugal em 1990 e, quando voltou, o Recife vivia o auge do movimento mangue. Se sentiu beneficiado por esse cenário?

Antes não havia sintonia entre artista e público. O movimento mangue provocou um profissionalismo, hoje há qualificação não só dos músicos, técnicos e estúdios. E trouxe a valorização da cultura popular, com a qual não tenho vínculo direto.

Como você avalia as políticas públicas para a música?
Acho que falta um plano de apoio e incentivo mais sistemático por parte dos órgãos oficiais da cultura. Não sou gestor público, mas participo de alguns fóruns setoriais. Eventos como Carnaval, São João e Natal são benéficos e já estão consolidados na capital e interior, mas são sazonais, e precisamos de um mecanismo que se estenda para além disso. A saída pode estar numa política em que instâncias municipais, estaduais e a iniciativa privada tracem um roteiro de ações contínuas.

terça-feira, 26 de maio de 2009

O Brasil que o país desconhece



Iati (PE) - Neste momento, três equipes viajam país adentro com um único objetivo: apresentar um Brasil desconhecido aos olhos dos próprios brasileiros. A instigante missão é também a última etapa do Revelando os Brasis, projeto que desde 2004 viabilizou 120 produções audiovisuais em cidades com menos de 20 mil habitantes. Agora é hora de exibir o resultado nos municípios selecionados por esta terceira edição, e em algumas capitais.

A convite dos realizadores (Ministério da Cultura e Instituto Marlin Azul), a reportagem do Diario de Pernambuco acompanhou as atividades em Iati (280 km do Recife), na noite de domingo. A partir de agora, a cidade do Agreste meridional figura no mapa audiovisual do país graças ao documentário O baque da zabumba centenária contra do tic-tac do tempo, que conta a história de Mané Rita, zabumbeiro que viveu até os 104 anos.

Mesmo com a chuva forte, a sessão montada no ginásio de esportes reuniu cerca de 200 pessoas. Quem assistiu não somente aprovou, como aplaudiu a produção local e de três outras que fazem parte projeto. Já a criançada viajou com a animação Mestre Vitalino e Nós no Barro (ES), produzida a partir de oficinas com 150 meninos e meninas do ensino fundamental capixaba.

A empregada doméstica Roseane Santana, 29 anos, disse que essa foi a primeira sessão de cinema que viu na vida. Ela poderia ter assistido ao curta quando foi transmitido pelo Canal Futura, que chega em sua casa via antena parabólica, mas preferiu aguardar mais um pouco. "Queria ver melhor na tela grande", explica. Josefa de Lima Silva, sobrinha de Mané Rita (que também nunca foi ao cinema), também estava lá.

Pena que os personagens principais não puderam comparecer ao evento. Genaldo Barros, que assina a direção do documentário, disse que banda de pífanos Zabumba de Mané Rita (hoje liderada pelo filho, Zé Rita) e as rezadeiras do Sítio Trapiá não puderam se deslocar debaixo do aguaceiro.

Há décadas Genaldo tinha o desejo de registrar a cultura do local onde nasceu e cresceu. Aos 54 anos e com o primeiro filme nas telas, ele pensa em seguir em busca do "Brasil que está na raiz", como ele mesmo disse ao apresentar a obra ao público. Seu próximo projeto deve ser o registro de uma fazenda próxima a Iati, e que chegou a ser a maior revendedora de mão de obra escrava no Nordeste.

Inclusão audiovisual - Até meados do mês que vem, o Circuito Revelando os Brasis terá percorrido 58 cidades e quase 30 mil quilômetros, do Acre ao Rio Grande do Sul. De acordo com a produtora Lucia Caus Delbone, do Instituto Marlin Azul, a terceira edição do Revelando os Brasis custou R$ 2,3 milhões aos cofres da patrocinadora oficial, a Petrobras. Ela ressalta que o retorno desse investimento está não somente na conquista do atual acervo de 120 histórias, mas também no incentivo a novos realizadores, derradeira dimensão do conceito de "inclusão audiovisual" que o projeto quer promover.

"Muitos diretores partem para tentar outros editais, e alguns conseguem emplacar seus roteiros", diz Lúcia, que exemplifica com o caso do realizador paraibano André da Costa Pinto, de 23 anos. Após A encomenda do bicho medonho, produzido através do projeto, ele recebeu prêmios pelo curta Amanda e Monick e agora se prepara para rodar seu primeiro longa, com Letícia Spiller, Guta Stresser e Maria Gladys no elenco.

Antes de partir para a Paraíba, o Circuito Revelando os Brasis promoverá mais duas exibições gratuitas no estado. No Recife será hoje, às 19h, na Bomba do Hemetério (Rua Dr. Eudes Costa, em frente à quadra da escola de samba Gigantes do Samba). O evento conta com a mobilização do programa Bombando Cidadania, que na ocasião apresenta dois vídeos, produzidos pela ONG Auçuba.

Amanhã, no mesmo horário, Lúcia e equipe estarão em Casinhas (Zona da Mata Norte). Lá, a grande estrela será o curta Passarelas, uma história de carnaval, de Charles Deodato, que ficciona o episódio importante para a cidade: o dia em que uma comitiva de casinhenses foi para o Rio de Janeiro participar da homenagem que a Império Serrano fez ao escritor Ariano Suassuna que, por sinal, recebeu o título de emérito cidadão casinhense.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Buraco da Gia é parada obrigatória



Há 53 anos, um grande amor tomou conta da vida de Seu Luiz Moraes. Durante o casamento do irmão, em Goiana, ele conheceu Maria Pereira de Oliveira, a irmã da noiva, de quem nunca mais se separou. Era o motivo que faltava para deixar o Rio de Janeiro, onde trabalhava de camelô, e voltar definitivamente para a terra natal. Juntou as economias e comprou um terreno com uma casa velha e uma cacimba nos fundos, onde passou a servir frutos do mar. Nascia assim o Buraco da Gia, um dos mais tradicionais restaurantes do estado.

"Dentro do cacimbão morava uma jia", diz Seu Luiz, em defesa do nome da casa. Quanto ao motivo da grafia com a letra "G" no lugar do "J", ele retruca: "a jia é minha, e eu chamo como quiser!". Hoje já não há mais buraco, e muito menos a jia, mas sim uma criação de caranguejos-uçá e guaiamuns gigantes. Estes últimos são objeto de cuidado especial de Seu Luiz, que treina os crustáceos para servir pratos e bebidas aos clientes. Uma idiossincrasia que logo se tornou marca registrada do restaurante, hoje considerado programa obrigatório em qualquer roteiro turístico que passe por Goiana, a 63 quilômetros do Recife.

A história do Buraco da Gia - e por que não, e de certa forma do país - está estampada em fotografias nas quatro paredes do salão. Basta uma olhada para reconhecer os rostos famosos, entre eles Gilberto Freyre sorvendo a cerveja oferecida pelo guaiamum. O sociólogo de Apipucos é apenas um deles: Seu Luiz já recebeu ilustres como Assis Chateaubriand, Juscelino Kubitschek e vários outros políticos, artistas e empresários. "Famoso não sou eu, são os clientes que aqui passam", comenta Seu Luiz que, aos 83 anos, demonstra vitalidade ao receber os clientes pessoalmente, e supervisionar de perto o preparo dos pratos.

Entre as entradas, o casquinho de caranguejo é boa pedida. Como prato principal, há camarão, peixe e lagosta. Entre as diferentes receitas, vale pedir a especialidade da casa: peixada completa, feita com posta de cavala cozida ao molho de camarão, pirão e arroz branco. Para sobremesa, há doces de cajá, banana e caju, além de frutas frescas.

Além da galeria de fotos, no salão (com capacidade para receber até 120 pessoas) ainda há gaiolas com guaiamuns deitados em pequenas redes. Discretamente, no alto, outra placa sinaliza a mudança dos tempos: o Buraco da Gia agora oferece aos clientes acesso Wi-fi.

Serviço
Buraco da Gia
Onde: Estrada da Batalha, 96 - Goiana-PE
Informações: (81) 3626-0150

A invenção do pós-humano



Entrevista // Franklin Leopoldo e Silva: "A desumanização é de nossa inteira responsabilidade. Ou seja, podemos revertê-la"

A partir de hoje, o Memorial de Medicina de Pernambuco, no Derby, recebe o ciclo de conferências Mutações - A condição humana.

Sob curadoria do escritor e jornalista Adauto Novaes, o evento receberá, nos próximos sete dias, dez convidados para pensar sobre quem nos tornamos perante a atual configuração mundial. Caberá ao professor Franklin Leopoldo e Silva dar início às atividades. Às 19h, o filósofo apresentará o seminário A invenção do pós-humano. Para participar, basta fazer inscrição no Centro Josué de Castro, pelo telefone 3423-2800.

Autor dos livros Bergson - intuição e discurso filosófico (Loyola), Ética e literatura em Sartre, e Felicidade (Claridade), Franklin Leopoldo antecipou assuntos que abordará logo mais.

Em entrevista ao Diario, ele afirma que, ao contrário do que parece, a difícil condição em que vivemos é de nossa inteira responsabilidade, e não de forças ocultas. "Isso indica também a possibilidade de reverter a situação", provoca o filósofo.

Em sua conferência, o senhor trata da invenção do pós-humano. Como explicar esse conceito em poucas linhas?
Utilizo a expressão "pós-humano" para indicar uma condição que sucede àquilo que a modernidade, e notadamente, o iluminismo, entende como realização plena da humanidade: a emancipação racional através do progresso científico-tecnológico e do aprimoramento ético. Essas promessas humanistas foram desmentidas pela experiência histórica, que em grande parte é constituída por regressão e barbárie, como se viu, principalmente, no século 20: guerras, genocídios e totalitarismo. O ser humano não conseguiu realizar os ideais humanistas que governariam a modernidade e, no entanto, já se prepara para superar o humano por via do domínio tecnológico da vida em todos os seus aspectos e de um controle, que se pretende total, da inteligência e das emoções. A extensão da automação, que a princípio se aplicava ao domínio do trabalho humano, tende a se redefinir numa esfera mais ampla: a da substituição do ser humano.Assim se pode concluir que, antes mesmo de realizar as potencialidades humanas anunciadas no início da modernidade, já nos preparamos para abandonar o humano e adotar artifícios que levam o progresso a uma dimensão pós-humana.

O que justifica - ou ao menos explica - o momento de transição em que vivemos?
Vários fatores ajudam a compreender este momento de transição. O mais relevante, no meu entender, é a perda do referencial ético-político constituído pela comunidade humana, esfera pública de ação, o que provoca uma redefinição instrumental das relações humanas, com a prevalência do individualismo competitivo, do isolamento e da desvalorização da subjetividade como experiência singular de liberdade.

Heteronomia ética, desintegração política, alienação histórica e fragmentação subjetiva são condições que parecem apavorantes. Que forças atuam para manter uma ilusão de "vida realizada", nessa conjuntura?
Essas palavras, que parecem apavorantes são apenas descrições sintéticas da situação que criamos para nós mesmos. Tanto assim que vivenciamos os seus significados não de modo apavorante, mas como se fizessem parte da vida normal, o que mostra que a desumanização é de responsabilidade humana e não algo que nos atinja como um destino. E isso indica também a possibilidade de reverter a situação.

sábado, 23 de maio de 2009

Histórias preciosas contadas na feira



Todos os sábados, a feira livre de Condado se torna ponto de encontro da pequena cidade da Zona da Mata Norte pernambucana. Na manhã de hoje, além do usual comércio de frutas, roupas e pequenos utilitários, a "freguesia" terá à disposição imagens e sons produzidos nos últimos três meses da residência artística Retrato: substantivo feminino.

Trata-se de uma exposição interativa, da qual faz parte uma pequena caixa de papelão colorido que exibe em vídeo o processo de trabalho de 12 mulheres integrantes do Viva Pareia!, Ponto de Cultura que reúne o Cavalo-marinho Estrela de Ouro, do Mestre Biu Alexandre, e Estrela Brilhante, do Mestre Antonio Teles. Além disso, fotografias e banners foram afixados em diferentes pontos da cidade, numa atividade de divulgação iniciada na última terça-feira, e que inclui um carro de som a convocar o público através do canto gravado durante as atividades.

A ideia é que o público experimente parte da metodologia praticada com o grupo. Durante a feira, as pessoas serão convidadas para que contem histórias particulares, e depois a expressarem através de imagens. Outro exercício, batizado 3x4, propõe a convivência não-verbal entre a pessoa e a lente da câmera, durante três minutos de filmagem.

Incentivo - Retrato: substantivo feminino foi contemplado com R$ 15 mil pela Funarte, através do Prêmio Interações Estéticas - Residências Artísticas em Pontos de Cultura. "Não é um trabalho sobre o cavalo-marinho, mas passa por ele", diz a produtora paulista Laura Tamiana que, ao lado da artista carioca Tatiana Devos, convidou esposas e filhas de brincantes, mulheres que geralmente não recebem tanta atenção quanto os mestres, músicos e "figuras" do cavalo-marinho.

"Todo mundo tem uma história preciosa para contar, mesmo que às vezes ela esteja empoeirada", disse. É o caso de Dona Benedita, 77 anos, que fotografou o marido, Mestre Antonio Teles, os filhos, e até mesmo o retrato do pai, já falecido.

Dona Preta foi além: câmera digital em punho, perguntou, para o constrangimento do marido com quem vive há 44 anos, se ele ainda a amava. Não bastasse, ela ensinou "modinhas" para as outras, que passaram a encerrar cada encontro cantando juntas. Até Dona Benedita, a mais tímida de todas, soltou a voz.

Tamiana explica que a exposição encerra o projeto, mas não o processo vivido pelas participantes. O verdadeiro objetivo do trabalho não é ensinar a técnica de fotografia e vídeo, mas sim levar a cada mulher a se assumir enquanto "caixinha de preciosidades".

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Inconsequências na Casa Branca



Em dias de Obama, falar mal dos anos Bush é como chutar cachorro morto. Não que W. (EUA, 2008), de Oliver Stone, seja somente isso.

A cinebiografia se dedica a apresentar o ex-presidente em dois momentos da vida: os anos de formação acadêmica e início da carreira política, com cenas de bastidores em que Stone especula de que forma foram tomadas as mais difíceis decisões em seus oito anos de governo.

Interpretado com talento por Josh Brolin, como uma pessoa insegura, atrapalhada e de atitudes inconsequentes, Bush é retratado quase sempre em seus momentos íntimos, como tirando comida entre os dentes, dançando bêbado num balcão de bar ou em conversas com o pai, que rejeita e critica severamente o seu rebento.

Em termos de investigação, o longa não acrescenta nada além do que já tenha sido divulgado pela imprensa ao longo dos anos. O foco se atém à difícil relação entre "Papi" e "Júnior" (nomes pelos quais se tratam).

Longe das tramas conspiratórias que fizeram sua fama em filmes como JFK (1991), Stone optou pelo drama familiar que insiste em fazer apenas uma pergunta: "como uma figura como esta foi parar na Casa Branca?". Nas presenças de Donald Rumsfeld, Dick Cheeney, Condoleezza Rice e Colin Powell parece estar a resposta.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Che sobrevive ao tempo



Deve ser mera coincidência, mas não deixa de ser curioso o fato de que Che, o argentino (Che: part one), de Steven Soderbergh, e W., cinebiografia de Oliver Stone sobre George W. Bush estreiem no Recife neste mesmo fim de semana.

Colocadas em perspectiva, as produções se completam por narrar os (des)caminhos políticos tomados por líderes de nações que nos últimos 50 anos se negam com inabalável convicção. Entre elas, o ponto em comum está no tom liberal-hollywoodiano, e na narrativa um tanto burocrática, o que leva ao sentimento de que dois grandes temas desfilam perante olhos que esperavam algo mais.

Rodado entre o México e Estados Unidos, e corajosamente falado em espanhol, Che trata da ascenção e queda do líder revolucionário Ernesto Guevara de la Serna (1928-1967), o Che, vivido com talento pelo ator Benício Del Toro. Nesta primeira sequência, acompanhamos Che em sua transformação de médico e intelectual argentino ao posto de homem da máxima confiança de Fidel (Demián Bichir).

A narrativa intercalada apresenta Che em dois momentos: durante a luta armada de 1956-59, que culminou na derrocada da ditadura de Fulgencio Batista e na supremacia de Fidel Castro; e em 1964, quando defende suas convicções políticas na imprensa norte-americana e na Assembleia Geral das ONU, em Nova York, onde defendeu o fechamento da base militar de Guantánamo e o fim do embargo comercial imposto pelos EUA.

Prelúdio para Che - o guerrilheiro (com estreia brasileira prevista para julho), O argentino entra em cartaz no Recife (em apenas uma sala do UCI Recife) um ano após a première de sua versão integral (de 4h28 de duração) em Cannes. Desde aquele momento, o filme de Soderbergh (Oscar de melhor diretor por Traffic) gerou críticas. Enquanto militantes de esquerda esperavam um filme mais radical sobre o grande ícone revolucionário, a direita o acusou de ter romantizado um terrorista que defendia abertamente o fuzilamento de dissidentes.

Nada poderia ser mais equivocado. Se por um lado Soderbergh radicalizasse no discurso, entraria em conflito com as convicções norte-americanas; e por outro, "terrorista" definitivamente não é a palavra que melhor define Guevara, que fez conexões com líderes políticos - no Brasil encontrou Leonel Brizola e recebeu medalha do presidente João Goulart - e intelectuais para defender seu ideário de revolução.

No Che defendido por Soderbergh, prevalece o humanista, que ensina soldados a ler e escrever, e pune aqueles que abusam dos camponeses durante os combates. Um personagem de convicção tão inabalável que brinca com o constrangimento do senador McCarthy, a quem conhece durante uma festa, num dos melhores momentos do filme. Mais: em entrevista à TV americana, ele garante que a maior virtude de um revolucionário é o amor.

Esta não é a primeira vez que Guevara é representado no cinema. Dois anos após sua morte, ele foi vivido por Omar Shariff no filme Che!, de Richard Fleischer (Soylent Green), com Jack Palance no papel de Fidel. E Diarios de motocicleta (2004), de Walter Salles, apresenta o personagem aos 20 anos, em sua viagem por países da América do Sul.

De origem porto-riquenha, Benício del Toro pesquisou anos a fio para compor seu Che, o que contribuiu para fazer o todo mais convincente. Não é o caso do brasileiro Rodrigo Santoro, cuja participação como Raúl Castro se restringe a apresentar Che ao irmão Fidel e ser coadjuvante de meia dúzia de situações menores.

Apesar da visível dedicação de Del Toro e a precisão histórica e visual garantida pelo consultor Jon Lee Anderson, o melhor biógrafo de Che, Soderbergh fez um filme um tanto engessado, talvez pela consciência de estar tratando de um personagem que, ainda em vida, se tornou um mito do século 20.



Diferentes interpretações de um mito

Batizada como Guerrillero heroico, a célebre imagem que fixou Che Guevara para sempre no imaginário popular foi realizada de maneira quase acidental. Seu autor, o fotógrafo cubano Alberto Korda (1928-2001), cobria um evento para o jornal La Revolución quando capturou a expressão do líder, quem sabe a olhar o infinito, como poderia se supor, quem sabe, para algum dos oficiais presentes.

Após o assassinato de Guevara na selva boliviana, foi preciso que o italiano Giacomo Feltrinelli recortasse a foto original e produzisse centenas de pôsteres, e que o o artista plástico irlandês Jim Fitzpatrik a vertesse em monotipo estampado em milhares de camisetas, para então se tornar a imagem fotográfica mais reproduzida do mundo. Enquanto vivo, Korda abriu mão dos direitos de reprodução da obra, um ato de copyleft permitido somente para situações de alinhamento ideológico. O fotógrafo repudiava seu uso comercial e chegou a censurá-la em uma propaganda de vodka.

Só que Korda viveu o suficiente para perceber que, de símbolo da luta pela liberdade, a imagem por ele eternizada passou pelo total esvaziamento. Se no Brasil dos anos 70, o jovem que a ostentasse corria o risco de virar alvo da repressão, hoje quem a utiliza muitas vezes nem sabe quem foi o revolucionário argentino. O documentário carioca Personal Che (2007) percebeu bem esse fenômeno, ao registrar as mais diferentes interpretações para a figura de Guevara.

Tudo isto, aliado à recente utilização da iconografia da revolução em campanhas publicitárias, como a da rede de restaurantes Habib's, leva a refletir se, no 50º aniversário da revolução reverenciada por líderes como Hugo Chavez, Evo Morales e Rafael Corrêa, ainda há algo para comemorar.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Versos para as insubmissas filhas de Lilith



Nas últimas décadas, o mito de Lilith tem servido de inspiração tanto para artistas quanto para militantes da causa feminista. Insubmissa e rebelde, esta personagem bíblica perdeu o status de primeira mulher, feita por Deus com o mesmo barro de Adão, para amargar por séculos o papel de demônio. Identidade que tem sido contestada por mulheres na busca de emancipação e por artistas que evocam a sensualidade e erotismo de Lilith em suas obras. De forma particular, estas duas dimensões estão presentes em As filhas de Lilith, novo livro de poesias de Cida Pedrosa. A obra será lançada hoje, às 19h, no auditório da Livraria Cultura. Além da sessão de autógrafos, o evento prevê recital com o grupo Vozes Femininas e com o artista Biagio Pecorelli.

Em conversa com o Diario, a escritora revela que buscou em Lilith o antídoto para a síndrome de culpa que recai nos ombros femininos desde que Eva foi acusada como responsável pelo paraíso perdido. "Acho que nós, mulheres, carregamos essa culpa, e isso é uma crueldade sem fim". Os dois anos de "gestação" renderam 26 poemas com figuras femininas, uma para cada letra do alfabeto. De Angélica a Zenaide, há espaço para pessoas e cenas comuns ao cotidiano, vertidas para o suporte poético de forma ousada e perspicaz, e descritas pela criadora como "mulheres pós-tudo, e histórias do que fizeram de nós".

A falta de pudor de alguns poemas beira o pornográfico, pois abre mão da metáfora para descrever atos e situações sexuais. Porém, como explica Cida, a obra não se restringe ao erotismo: também trata de lutas, dor e morte. No "verbete" Sihem, ela recria a saga real de uma mulher-bomba, que veste burca e, ao contrário do que prevê o profeta, quando chegar ao paraíso, não terá 40 virgens à espera. Outro dois personagens não-fictícios serviram aos propósitos da escritora: Joanita, uma das mães da Praça de Maio, e Khady, menina senegalesa que teve o clitóris mutilado.

A estrutura do poema narrativo, aquele que conta uma história, encontra explicação na origem da autora, nascida na área rural de Bodocó, sertão do Araripe. "A gente não tinha televisão, e meu pai, Francisco de Assis, era um grande contador de histórias. Outro era o marceneiro Zé Pedro. As histórias deles eram mais do que cinema".

As filhas de Lilith chama atenção não somente pelo conteúdo, mas pelo produto em si. Desde quando submeteu o livro ao edital do Funcultura, ela tinha em mente convidar a artista plástica Tereza Costa Rego, que disponibilizou 29 obras para o projeto. O feliz "casamento" entre texto e imagem é mérito do projeto gráfico de Jaíne Cintra, designer da equipe de arte do Diario. "O livro deixou de ser meu. É de nós três", diz Cida.

Com o lançamento, Cida comemora 30 anos de carreira, e o início de uma nova fase. Entre a advocacia (na qual atuou na área de direitos humanos) e a vida literária, iniciada com o Movimento dos Escritores Independentes, de 1982 para cá, publicou quatro livros: Restos do fim, O cavaleiro da epifania, Cântaro e Gume. Todos sob a marca da independênciareconhecível nas palavras "edição do autor". Desta vez, seu trabalho traz na capa o selo da Editora Caliban, sinônimo de tratamento gráfico diferenciado e distribuição de abrangência nacional.

"Este livro é um ritual de passagem", reflete Cida, que a partir de agora se dedicará ao universo da prosa, a começar por um livro de contos. Isso após terminar a agenda de lançamentos, que inclui as cidades de Garanhuns (16/06), Bodocó (23/06), Petrolina (25/06) e Paraty (RJ), onde participa da OFF Flip.

Serviço
Lançamento do livro As filhas de Lilith, de Cida Pedrosa
Onde: Auditório da Livraria Cultura (Paço Alfândega - Recife Antigo)
Quando: Hoje, às 19h
Informações: 2102-4033

* publicado no Diario de Pernambuco
Entrada franca

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Nem só de arte vive o Apolo



A partir de hoje, Velozes e furiosos 4, de Justin Lin, entra em cartaz no Cinema Apolo, no Recife Antigo. Escolha atípica para os padrões estipulados pela sala municipal nos últimos anos, o longa de ação estrelado por Vin Diesel (também em exibição no Cine Royal, em São Lourenço da Mata) acaba de encerrar temporada de sucesso nos multiplex de todo o planeta, onde disputou a liderança com Monstros vs alienígenas. Estaria o tradicional espaço de exibição assumindo uma fase mais popular?

"Vamos tentar outra audiência", diz Ernesto Barros, da gerência de audiovisual da prefeitura do Recife. "O principal objetivo é que o público saiba que existe um cinema chamado Apolo", diz o programador, que adiantou à reportagem do Diario a próxima atração, prevista para entrar em cartaz no dia 8 de junho: a comédia global Se eu fosse você 2, outro fenômeno de bilheteria.

A mudança na programação é justificada pela baixa frequência de espectadores. Nos últimos tempos, informa Ernesto, a sala chegou a amargar sessões com apenas duas ou três pessoas. "O público dos filmes alternativos tornou-se muito pequeno, principalmente porque não nos dão os inéditos para exibir, e acabamos pegando as reprises, principalmente dos filmes exibidos no Rosa e Silva".

Ele ainda explica que a necessidade de público é questão de sobrevivência. Apesar de tanto o Cinema Apolo quanto o do Parque serem mantidos pela prefeitura, os custos com o transporte e direitos de exibição do filme, no entanto, precisam ser bancados pela bilheteria. "Espaços alternativos funcionavam bem em outra época. A ideia não é abandonar o antigo perfil, mas diversificar o espaço para garantir algum lucro", diz Ernesto, que pretende propor o aumento do ingresso do Parque de R$ 1 para R$ 2.

Apesar das novidades, eventos como o Festival des 3 Continents e o Panorama Recife de Documentários continuam garantidos no calendário cinéfilo da cidade. Para o próximo semestre, estão previstas pelo menos duas mostras de filmes japoneses e russos, que dificilmente seriam vistos em salas comerciais.

domingo, 17 de maio de 2009

O sobrevivente



Em 31 de dezembro de 1982, após negociar sua soltura com os médicos, o compositor Arnaldo Baptista se jogou da janela do hospício em que foi internado. Tudo foi descrito assim pelo ex-Mutante: "Queria me ver livre, e pensei: vou comemorar o aniversário de quem me colocou aqui pela primeira vez. Me joguei e, parece um milagre, acordei na cama com minha menina".

Esse é um dos vários depoimentos reveladores presentes no documentário Lóki, primeiro produto audiovisual que conta em detalhes a trajetória deste artista indispensável para a gênese da tropicália. Ou mais, como afirma o maestro Rogério Duprat: "Ele é responsável por quase tudo o que aconteceu na música brasileira de 1967 pra cá". Dirigido por Paulo Henrique Fontenelle e produzido pelo Canal Brasil, o longa-metragem deve estrear mês que vem no Recife e em outras capitais.

O grave episódio (Acidente? Tentativa de suicídio?), passível daqueles que se arriscam a mergulhar fundo na vida, não é o único a despertar interesse. Ao longo de seus 60 anos de existência, Arnaldo amou, criou, passou do céu ao inferno e sobreviveu para contar história. Informações sobre o artista já haviam sido reveladas no livro A divina comédia dos Mutantes. Só que Lóki supera bastante a obra escrita nos anos 90 por Carlos Calado pois se estende da infância ao recente revival do grupo (que tocou no Abril pro Rock em 2007).

O filme de Fontenelle traz informações novas, nas vozes da atual esposa Lucinha Barbosa, do irmão Sérgio, de antigos parceiros como Liminha e Dinho, de especialistas no assunto (Nelson Motta e Tárik de Souza), admiradores célebres (Lobão e Tom Zé, no Brasil; Devendra Banhart e Sean Lennon lá fora) e do próprio Arnaldo, que enquanto fala pinta uma tela que, ao final das duas horas de projeção, representará sua vida.


O ARTISTA FALA DAS ETAPAS SUPERADAS E DO QUE O IMPULSIONA: "DESCOBRIMENTO. EXPLORAÇÃO"

Canal Brasil - Há 10 anos no mercado televisivo, essa é a primeira produção do Canal Brasil para o cinema. "Contamos com uma facilidades, como acesso a equipamento e pessoal da emissora", disse o produtor André Saddy. A produção custou em torno de R$200 mil, boa parte destinada ao pagamento de direitos autorais.

"Quisemos dar vazão à uma pergunta inquietante: qual o mistério de Arnaldo?", diz o diretor geral da emissora, Paulo Mendonça. Ele explica que o projeto surgiu de forma embrionária em 2005, durante a gravação de um programa dedicado a músicos sem foco na mídia, chamado Luz câmera canção. O depoimento do compositor foi tão forte que os produtores não sabiam o que fazer. "Não tinha como reduzir aquilo a meia hora de programa", conta Saddy.


SADDY, MENDONÇA, ARNALDO E FONTENELLE

O nome do documentário é o título do primeiro disco solo de Arnaldo, composto em 1974 após o "chega pra lá" de Rita Lee que, durante o processo de separação, havia internado Arnaldo pela primeira vez, "não totalmente sem motivo, pois já tinha feito tanta coisa", revela o compositor. A essa altura, a tela traz pintado no centro um Arnaldo bebê, que repousa sobre uma mulher de cabelos louros e, acima de tudo as palavras: "sinto muito". Apesar de desempenhar papel central na vida de Arnaldo, Rita não topou falar ao documentário, mas liberou o uso de sua imagem.

Tendo vencido o prêmio de júri popular no Festival Internacional de Cinema do Rio de Janeiro e na 32º Mostra de Cinema de São Paulo, Lóki tem gerado comoção por onde passa. Assim, corrige injustiça histórica ao mesmo tempo em que apresenta a novas gerações um artista que, como nenhum outro na MPB, oscila entre loucura e lucidez, e fez da vida um radical manifesto de liberdade.

* publicado no Diario de Pernambuco.

sábado, 16 de maio de 2009

Entrevista // Affonso Romano de Sant'Anna: "A arte se transformou em commodity"



O escritor e crítico literário Affonso Romano de Sant'Anna é um contestador feroz do conceito de arte contemporânea. Tanto que em seu último livro, O enigma oculto (Rocco), até a crítica especializada é colocada em questão. Ele esteve no Recife na última quinta-feira para prestigiar a abertura da exposição O homem e sua sombra, série de pinturas em cartaz no Museu do Estado, do artista plástico Pragana. O pintor criou a partir de um poema do escritor. Na entrevista que concedeu ao Diario, Sant'Anna justifica suas ideias a partir de uma experiência acumulada em 72 anos de vida e viagens mundo afora.

Como surgiu o livro O homem e sua sombra?
Um dia, de repente, veio uma frase estranha na cabeça: "era um homem com sombra de cachorro, que sonhava ter sombra de cavalo". Fui anotando aquilo com curiosidade, sem saber no que ia dar. Quando fechei o processo, me dei conta de que esse é um tema que existe no folclore do mundo inteiro, e que nem a psicanálise esgota. Pois trata da duplicidade, da ambiguidade que circula na cabeça das pessoas, sobretudo na sociedade esquizofrênica em que vivemos.

Esteticamente, o senhor se considera vinculado a alguma tendência ou escola?
Ao longo da vida, participei de vários movimentos sem ter assinado nenhum manifesto ou cartilha, mas sim, dialogando e criticando, pois essas organizações acabam tendo um cunho religioso. Seria muito fácil se eu entrasse em um partido político, em um grupinho literário, se pertencesse a uma tribo. Isso tem um preço muito caro. Você entra para um partido e acaba virando sacerdote. Entra para um movimento estético e termina messiânico. Sempre fuimuito vacinado contra isso. E hoje continuo nessa batalha, fazendo a crítica de uma certa arte que se chama contemporânea. Sou contemporâneo, por isso critico o meu tempo.

A arte que o senhor critica seria uma fuga do aqui-agora?
A coisa é complexa. Contemporâneo é uma palavra ardilosa, imprópria, que é utilizada de forma equivocada e maquiavélica. Como quem diz: "eu estou salvo e você está condenado. Eu estou do lado do futuro e você, do passado. Eu sei fazer arte e você não sabe". Um dos equivocos está no adjetivo: a arte contemporânea está tão preocupada em ser contemporânea que esquece de ser arte.

No futuro a arte será completamente híbrida ou ainda haverá a compartimentação?
Se olharmos a história da arte, veremos que ela começa híbrida. No princípio, quando não havia nenhum teórico analisando a arte, a dança a música, a poesia, o canto, o teatro era uma coisa só. Depois tivemos uma compartimentação acadêmica. Já no século 19, Wagner propunha a tese da arte total e a ópera seria esse gênero que reuniria música, poesia, artes plásticas, teatro. A ideia da arte total é muito antiga. E importa menos que ela seja total, e mais que seja arte.

Nesse contexto, há espaço para artistas que se dedicam apenas à criação desvinculada do mercado?
Depende. Alguns artistas podem furar esse bloqueio, por uma série de condições. Mas é uma tarefa muito mais complicada, pois estará indo contra a corrente. Hoje a arte se transformou numa commodity, controlada por um mercado internacional que está na mão de alguns grupos. Grande parte da arte ocidental deriva de Charles Saatchi, um grande galerista e um dos maiores publicitários ingleses. Ele dita o gosto ocidental e está começando a comandar a China e Rússia, ou seja, globalização no sentido mais perverso.

Qual sua opinião sobre a proliferação de eventos literários?
É um avanço, pois fazem com que os escritores circulem para além de seu nicho. Diferentemente de Paraty, que na verdade é uma grande mostra da literatura internacional, mais um gesto de exportação que importação. Aliás, isso faz parte de uma rede de festivais que existem em torno do mundo e que tratam a literatura como espetáculo. Um modelo positivo seria o da Jornada de Passo Fundo. Há uma preparação anterior, durante um ano, que permite ao público conhecer a obra do conferencista. Isso se chama diálogo literário.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Mostra de Cinema de Ouro Preto abre inscrições para oficinas



A partir de hoje, a 4ª Mostra de Cinema de Ouro Preto (CineOP) abre inscrições para oficinas. São 200 vagas, voltada a educadores e ao público interessado em conteúdos do fazer cinematográfico.

O evento oferece sete oficinas, que tratam de cinema na sala de aula, estratégias narrativas no documentário, cinema e artes plásticas, história do cinema, conservação de acervos e direção de arte e figurino.

As inscrições são gratuitas. Os interessados têm até ás 18h do dia 27 de maio para realizar sua inscrição pelo site oficial do evento. Além de preencher a ficha de inscrição, os candidatos devem inserir um breve currículo para análise.

Chancelada no Ano da França no Brasil, a 4ª edição do CineOP será de 18 a 23 de junho. A programação é oferecida gratuitamente ao público e ocupará três espaços: o Centro de Convenções, o Cineteatro, a Praça Tiradentes e o precioso Cine Vila Rica, referência entre as salas de exibição que resistiram ao tempo.

Inscrições abertas para a 4a. Mostra Cinema e Direitos Humanos na América do Sul

Flavia Miranda, do Procultura, avisa que estão abertas as inscrições para a 4ª Mostra Cinema e Direitos Humanos na América do Sul, evento dedicado a obras que abordam questões referentes aos direitos humanos produzidas recentemente nos países sul-americanos.

O prazo vai até 12 de junho.

A mostra acontece de 5 de outubro a 8 de novembro de 2009. O circuito de exibição chega a 16 cidades: Belém, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Fortaleza, Goiânia, Maceió, Manaus, Natal, Porto Alegre, Recife, Rio Branco, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e Teresina.

Podem participar produções finalizadas a partir de 2006 cujo conteúdo contemple aspectos relacionados aos direitos humanos. Não há restrição quanto a duração, gênero ou suporte de captação/finalização. Regulamentos e ficha de inscrição podem ser acessados através do website. Cópias em DVD - acompanhadas de sinopse, foto, ficha técnica e contato - devem ser encaminhadas até 29 de maio para o endereço: 4ª Mostra Cinema e Direitos Humanos na América do Sul / Cinemateca Brasileira / Largo Senador Raul Cardoso 207 / 04021-070 / São Paulo / SP.

Mais informações: (11) 3512.6111 (ramal 210) ou pelo e-mail contato@cinedireitoshumanos.org.br.

As obras mais votadas pelo publico serão contempladas com o Prêmio Aquisição TV Brasil nas categorias longa, média e curta-metragem. Em 2008 foram contemplados o longa Juízo, de Maria Augusta Ramos, o média Procura-se Janaina, de Miriam Chnaiderman, e o curta Coração de Tangerina, de Juliana Psaros e Natasja Berzoini.

"W", de Oliver Stone, estreia no Recife



Os anos George W. Bush não foram brincadeira: duas guerras, ataques terroristas, cataclismas climáticos, e por fim, a crise econômica. É natural que o filme que conta a vida do ex-presidente, W. (EUA, 2008), de Oliver Stone, chegasse aos cinemas envolto de expectativas. Especializado em cinebiografias de líderes como Kennedy, Nixon, Fidel e Hugo Chávez (documentário em produção), o diretor apresenta Bush (Josh Brolin) como um jovem problemático e beberrão, que demonstrava interesse não pela política, mas pela aprovação do pai (James Cromwell). Richard Dreyfuss (Dick Cheney), Jeffrey Wright (Colin Powell), Thandie Newton (Condoleezza Rice) e Ellen Burstyn (Barbara Bush) completam o elenco da produção, com pré-estreia em sessão única amanhã, às 20h20, no Cine Rosa e Silva.

Para conhecer Simonal


Simonal: "O negócio é ganhar dinheiro"

Em cartaz no Box Guararapes, o documentário Simonal - ninguém sabe o duro que dei, resgata a trajetória de um dos melhores e mais populares cantores da MPB, o rei do "sambalanço", Wilson Simonal (1939-2000).

Para tanto, o longa de Cláudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal traz imagens de arquivo e depoimentos reveladores da família, amigos e até inimigos declarados do cantor.

Está tudo lá: o passado humilde, as parcerias com Elis Regina e Sarah Vaughan, a euforia da Copa de 70 cantada em País tropical e o episódio que vinculou seu nome para sempre ao regime militar e levou ao fatídico ostracismo.

Leia matéria completa aqui.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Polêmico embate entre ciência e fé


ACREDITE, A BOMBA NÃO ESTÁ AQUI

A tensão entre ciência e fé religiosa é o eixo pelo qual gira Anjos e demônios (Angels & demons, EUA , 2009), novo longa de Ron Howard (Frost/Nixon, A luta pela esperança, Apolo 13). A exemplo de seu antecessor, O código Da Vinci, a superprodução adapta a obra homônima de Dan Brown, é novamente estrelada por Tom Hanks, e estreia mundialmente hoje, sob reprovação do Vaticano, e virtual felicidade dos marqueteiros da Sony / Columbia Pictures.

Em situações como esta, vale evocar a dimensão bíblica do fruto proibido, a gerar polêmica e aumentar a audiência em torno de algo que nem é tão herético assim. Basta uma olhada na filmografia disponível e constatar que conspirações envolvendo a Igreja Católica já foram mostradas com mais propriedade e contundência em pelo menos dois filmes: O poderoso chefão 3, de Francis Ford Coppola, Amém, de Costa-Gavras. Enquanto o primeiro corajosamente aponta a Cidade do Vaticano como mais corrupta e profissional do que a famiglia Corleone, o segundo denuncia a conivência do próprio Papa Pio XII para com a matança de judeus promovida pelo nazismo.

Se comparado a obras radicais como Je Vous Salie Marie, de Godard, A última tentação de Cristo, de Martin Scorcese, e o próprio O código Da Vinci, que apresenta Maria Madalena como mãe do filho de Jesus, Anjos e demônios também não guarda muito de ofensivo. Pode até haver ousadia no fato de ser um filme de ação ambientado em lugares sagrados, ou que mostra tortura e morte de altos dignatários da Santa Sé, mas nada que o cinema já não tenha feito antes. Outro ponto que talvez gere polêmica são as especulações sobre os arquivos secretos do Vaticano, que conteria uma obra oculta de Galileu Galilei, O diagrama da verdade.

Desta vez, o desafio imposto ao professor Robert Langdon (Hanks, mais magro e com o penteado menos horrível), simbologista e perito em história das religiões, começa 14 dias após a morte do Papa. A situação a ser enfrentada planifica a ação que virá a seguir: quatro cardeais indicados para assumir a função, os preferetti, são sequestrados e usados como objeto de barganha para interromper o conclave que decidirá o nome do novo Sumo Pontífice. Se a reunião continuar, os raptados serão executados um a cada hora, das 20h às 23h. Não bastasse, à meia-noite, os terroristas detonarão uma bomba de antimatéria, elemento recém-produzido em quantidade suficiente para dizimar a Praça de São Pedro e seus arrebaldes, milimetricamente reconstruídos em estúdio.

Não precisou muito para Langdon deduzir que os Illuminati, ramo que transitou entre catolicismo e conhecimento científico até ser supostamente extirpado no século 18, seriam os prováveis autores do atentado. Eles teriam prosseguido secretamente, vislubra ele, e aguardado o momento ideal para uma vingança histórica. Paralelamente, o filme desenha um “racha” na própria Igreja, entre conservadores e progressistas quando o assunto é evolução científica.

A história cheia de significados e leituras do imaginário popular (há quem diga que os Illuminati é quem mandam no mundo hoje – basta ver um de seus símbolos no verso da nota de um dólar) é de certa forma mal diluída pelo roteiro construído de forma esquemática, daqueles que trazem reviravolta nos últimos minutos, e faz malabarismo para manter o ritmo no compasso das centenas de informações despejadas a cada vez que alguém abre a boca.

Dedicado a não perder a atenção do público, seja pelo possível romance entre Langdon (herói intelectual que salva padres e quer evitar um cataclisma nuclear) e sua nova parceira, a cientista Vittoria Vetra (Ayelet Zurer), pelo conflito entre oficiais de segurança do Vaticano, ou através dos motivos que movem o Camerlengo Patrick McKenna (Ewan McGregor), o assistente do Papa recém falecido, o filme subestima elementos e personagens que poderiam render um thriller bem mais poderoso, não fosse a opção por um formato um tanto conservador.

*publicado no Diario de Pernambuco

A verdade sobre Simonal



Aos poucos, a história recente da MPB vem sendo mapeada pelo cinema. Somente nos últimos dois ou três anos, vimos na tela grande as trajetórias de Cartola, Vinicius, Bezerra da Silva e Tom Zé. Saindo do forno estão longas sobre Zé Ramalho, Novos Baianos, Arnaldo Baptista e Jards Macalé, serviço providencial à memória da cultura brasileira.

Dessa nova safra, estreia amanhã Simonal - Ninguém sabe o duro que dei, filme que mergulha na biografia desse que, provavelmente, é o artista mais estigmatizado do país. Há motivos, como o longa mostra sem retoques, em imagens de arquivo - e entrevistas com quem estava lá - e dos filhos Max de Castro e Wilson Simoninha.

O grande mérito do documentário dirigido por Cláudio Manoel, Micael Langer e Calvito Leal é o de colocar em evidência o talento de Wilson Simonal de Castro (1939-2000), nome que há mais de trinta anos foi banido no mais solene e asfixiante silêncio da constelação de cantores nacionais. E que morreu de sintomas do alcoolismo, sob a fama de ter entregado colegas ao DOPS, o truculento órgão de repressão da ditadura militar.

Segundo um dos diretores, a participação dos filhos se resumiu a conceder depoimentos e assinar a papelada autorizando o uso das imagens do pai. "Eles tiveram uma postura sóbria de não procurar culpados ou remoer mágoas. O único interesse deles é o reconhecimento do pai pelo talento que tinha. E isso é possível porque a geração de hoje não tem o mesmo ranço ideológico que as anteriores", disse Micael Langer. Em entrevista por telefone, Langer explicou que o projeto, que hoje conta com a participação da Globo Filmes e de mais cinco empresas, começou em 2004, de forma independente. "Eu e Calvino nos interessamos pelo Simonal após ouvir uma música na trilha de Cidade de Deus. Pesquisamos um pouco e vimos que essa era apenas a ponta do iceberg".

De origem humilde, Simonal saiu da condição precária de ter que cantar por um prato de comida para ser a voz mais famosa do Brasil. No início dos anos 60, passou de crooner a integrante da turma da pilantragem, que misturava chá-chá-chá com a malandragem carioca e fazia a cabeça da "moçada" da época. A moda passou. E daí em diante cantava com ninguém menos que Sarah Vaughan (em show transmitido nacionalmente pela TV Tupi). E, como descreve Nelson Motta, estava "pau a pau" com Roberto Carlos no posto de cantor mais popular do Brasil.

A ascensão vertiginosa, ancorada em seu inegável talento e patrocinada pelos padrinhos Carlos Imperial, Luiz Carlos Miéle e Ronaldo Bôscoli, mexeu com a cabeça do cantor, que a essa altura ostentava um apartamento à beira-mar e três Mercedes na garagem. Com despudorada arrogância, no auge do sucesso, ele declarou à TV que o negócio era ganhar dinheiro, para "ser alguém na vida ou morrer preto mesmo". Essa sinceridade, que beirava o cinismo, gerou um clima de desconfiança em torno de Simonal, que, ao lado de Pelé, celebrou a conquista da Copa de 70. E foi acusado de ser garoto-propaganda da ditadura.

O que era desconfiança se materializou no trágico episódio em que ele convocou a polícia para dar "uma prensa" no próprio contador, Raphael Viviani, episódio trágico que culminou em uma sessão de choque elétrico e na infeliz declaração de Simonal à imprensa de que, sim, ele seria um informante do DOPS. Dos jornais da época, o tablóide Pasquim foi o que mais pegou pesado. Jogou o cantor no "lixo da história", e publicou que seu dedo seria mais famoso que sua voz. "Ele foi jogado aos leões. Isso serviu à direita, porque desviou a atenção das ações da ditadura, e à esquerda, que encontrou em quem bater", disse Langer.

A polêmica em torno do caso gerou versões bem diferentes. Para tirar a história a limpo, a produção localizou Viviani, que pela primeira vez contou tudo o que se passou antes, durante e depois de cair na mão da polícia, o que rendeu o momento mais tenso do filme.

Langer disse ao Diario que sentiu um peso nos ombros por contar uma história tão poderosa. "Procuramos as famílias. Tivemos que lidar com crises profundas. Estávamos curiosos para saber o que aconteceu. E isso se revela no filme de forma legítima. É difícil dizer realmente o que se passou, pois tudo aconteceu há 40 anos. Por isso, procuramos mostrar as diferentes versões, para que as pessoas formulem suas verdades e tirem suas próprias conclusões".

terça-feira, 12 de maio de 2009

"Avenida Dropsie: a vizinhança", de Will Eisner, está de volta pela Devir



Desde meados dos anos 70, quando Will Eisner publicou Um contrato com Deus, a Avenida Dropsie foi o cenário mais recorrente para suas histórias.

Mais do que isso, este fictício endereço novaiorquino, situado no sul do Bronx (onde o próprio desenhista cresceu no começo do século 20), pode ser considerado o principal personagem de Eisner. Mais até do que O Spirit, que mesmo sendo republicado até hoje, foi deixado de lado pelo autor desde os anos 40.

A Devir Livraria acaba de relançar Avenida Dropsie: a vizinhança, um dos últimos trabalhos deste artista cuja obra nunca se esgota. A primeira edição data de 2007, e parece não ter dado conta da demanda do público brasileiro.

Publicada originalmente em 1994, esta graphic novel se dedica a contar como tudo começou, em 1870, se desenvolveu (antes e depois da Grande Depressão), decaiu com a chegada de latinos, negros e judeus (Eisner era um deles), para então recomeçar.

Arte na capa de CDs: "Profiterolis"



Arte de Victor Zalma

O som está aqui. Recomendo.

domingo, 10 de maio de 2009

Triunfo de portas abertas para o cinema



No ano passado, o Festival de Cinema de Triunfo deu o primeiro passo no sentido de trazer para o Sertão do Pajeú boa parte da cadeia produtiva do estado. Em cinco dias, o evento exibiu bons filmes, promoveu seminários e incentivou a prática do cineclubismo - ali foi criada a Federação Pernambucana de Cineclubes. Como estratégia de marketing, o governo do estado escolheu o festival para anunciar a volta do Cine São Luiz e o projeto de um corredor cultural na Rua da Aurora, noticiada em primeira mão pelo Diario de Pernambuco.

Nesta segunda edição, que abre hoje para inscrições de todo o Brasil, o Festival de Triunfo acontecerá de forma independente da Festa do Estudante, tradicional evento que movimenta a cidade no mês de julho. Ele será realizado entre os dias 2 e 7 de agosto, no Cineteatro Guarany. O local, um dos cartões postais de Triunfo, receberá o evento com equipamento próprio de projeção 35mm e digital e som dolby stereo. "O festival de cinema começa dois dias depois dos shows, pois apesar da infra-estrutura hoteleira de Triunfo ter capacidade de absorver um bom público, não comporta dois festivais ao mesmo tempo", avalia Carla Francine, coordenadora de cinema, vídeo e fotografia da Fundarpe. Ela ressalta que, dispostos dessa forma, os eventos estendem por mais tempo a movimentação na economia da cidade.

Além da mostra competitiva, que neste ano deve contar com cinco longas-metragens (no ano passado foram apenas três) e a substituição da categoria Vídeos Pernambucanos por Curtas Digitais, haverá atividades paralelas como oficinas e seminários. Mostras alternativas estão em estudo com o Congresso Brasileiro de Cinema, presidido pelo realizador cearense Rosemberg Cariry, assim como com a Associação dos Produtores e Cineastas do Norte e Nordeste.

Inscrições - Até 27 de maio, produtores do audiovisual brasileiro podem submeter filmes finalizados após 2006, nas bitolas 35mm e digital. No total, serão distribuídos R$ 26 mil em dinheiro. Além disso, osEstúdios Quanta acabam de confirmar um prêmio extra em serviços, com valor a ser confirmado. O edital e seu regulamento está disponível no site da Fundarpe.

A joia rara de Renata Pinheiro



No próximo dia 22, Superbarroco, de Renata Pinheiro, participa do Festival de Cannes. O curta-metragem será exibido no segundo dia da Quinzena Realizadores, na opinião da autora, a mais instigante mostra do maior e mais respeitável evento do cinema mundial. No ano passado, outro curta pernambucano, Muro, de Tião, foi destaque no evento e recebeu o prêmio Regard Neuf (Novo Olhar).

Eleito o melhor curta dos festivais de Brasília e Pernambuco, Superbarroco é uma obra diferente daquelas com começo, meio e fim. Sua narrativa se baseia no mistério, na não-linearidade da memória afetiva. Um filme em que sombras e luzes trabalham a favor do sonho e delírio. Cinema no nível da melhor poesia.

"Fiz este filme como um ourives faz uma joia", disse Renata, em entrevista ao Diario. Ela contou que a produção tomou aproximadamente três anos de trabalho. Tudo começou do desejo de resgatar a arte da dublagem, cada vez mais em desuso, e a importância da cantora Dalva de Oliveira na cultura brasileira. "Pensando o filme hoje, vejo que ganhou inúmeras camadas interpretativas além destas ideias. A questão é que sempre trabalhamos com liberdade e intuição. O último tratamento tornou o roteiro uma grande sequência de associações livres".

Boa parte da força de Superbarroco vem da performance do ator paraibano Everaldo Pontes, em interpretação premiada nos festivais acima citados. No fim de semana passado, após a cerimônia de premiação do Cine PE, ele disse à reportagem do Viver que se sente corresponsável pelo filme, pois ele se definiu após uma conversa que teve com o produtor Sérgio Oliveira, marido de Renata. "Estávamos rodando Árido movie, e falei para Sérgio que existe na Paraíba um fã-clube de Dalva de Oliveira, do qual faço parte desde os anos 70", lembrou o ator, que deve integrar o elenco de Transeunte, próximo filme de Eryk Rocha.

Outro ponto decisivo do curta está no aspecto fantasmagórico da fotografia, a cargo de Pedro Urano, construída a partir de cenários e objetos banhados pela projeção de imagens de arquivo e do próprio ator, que termina por contracenar com ele mesmo. "Não poderia ter a máquina ilusionista do cinema, com suas grandes salas e telas de projeção, e não tirar proveito disto. Quis lembrar que o cinema é, em essência, o passado e a ilusão, e convidei o público a entrar conscientemente nisto", explica a diretora.

Ela considera Superbarroco a consequência de suas experiências de infância, afetivas e profissionais - ela tem formação em teatro, e construiu carreira como diretora de arte, onde foi premiada por Feliz Natal, de Selton Mello, e Baixio das bestas, de Cláudio Assis, ambos no Festcine - Goiânia, e por Amarelo manga, de Cláudio Assis (Cine Ceará). Outros filmes no currículo são A festa da menina morta, de Matheus Nachtergaele, e Árido movie, de Lírio Ferreira. Em fase de finalização estão Histórias de amor duram apenas 90 minutos (RJ), de Paulo Halm, e Hotel Atlântico (SP), de Suzana Amaral.

Memória parece ser a palavra chave para a compreensão do filme. O casarão onde foi rodado é, há duzentos anos, a casa grande da família de Renata. "Lá ouvi muitas histórias de meus antepassados".

Quanto às motivações do personagem, embriagado de si, ela prefere deixar a cargo de quem assiste. "Quando estávamos em processo de construção do personagem, fiz questão de deixar lacunas de compreensão. Estudei um pouco de Butô. Nesta dança japonesa, o corpo é esvaziado de referências culturais e se entrega a arquétipos da mente", revelou Renata, que já articula os primeiros movimentos para viabilizar Vago, projeto de longa-metragem anterior a Superbarroco. A viagem a Cannes pode ser um ótimo trampolim.

*publicado no Diario de Pernambuco

sexta-feira, 8 de maio de 2009

A jornada começa hoje, nos cinemas



Impressiona o fato de que, 43 anos depois, a série Star trek continue gerando novas produções. E este décimo primeiro longa injeta adrenalina suficiente para mais algumas continuações. A nova aventura, dirigida com talento por JJ Abrams (Lost, Fringe e Missão impossível 3) volta para o aparecimento dos personagens da série original: a tríade Capitão Kirk (Chris Pine), Spock (Zachary Quinto) e Dr. McCoy (Karl Urban), e os oficiais Nyota Uhura, Montgomery Scott, Ikaru Sulu e Pavel Checov. A breve participação de Winona Ryder (envelhecida como a mãe de Spok) e do próprio Leonard Nimoy (o Spok original, hoje com 78 anos) trazem dignidade ao todo.

Jovem brigão e sem limites para respeitar ordens, Kirk é convocado para se alistar na Academia da Tropa Estelar por um amigo de seu pai, que morreu heroicamente após um ataque romulano, povo que, assim como os Klingons, vive dando dor de cabeça aos mocinhos da Federação dos Planetas Unidos, espécie de ONU sideral.

Ele aceita o convite, mas trapaceia no teste de aptidão, o que o deixaria de fora da primeira missão da mitológica nave espacial USS Enterprise, não fosse um novo amigo, Dr. McCoy, o colocar para dentro. Chegando lá, ele descobre que Vulcano, o planeta natal de Spok, está sob ataque de Nero, o mesmo romulano que matou seu pai anos atrás.

O que talvez possa chocar aos antigos é o inadvertido romance entre Spock e Uhura, que se beijam no elevador, e mais desavergonhadamente, antes de um teletransporte.

Criada em 1966 por Gene Roddenberry, Star trek tem como característica usar a ficção científica para discutir os dilemas humanos. A série estreou no cinema em 1979 (na onda do sucesso de Star wars), em sequências que oscilaram entre o interessante e o ridículo. Ao contrário do que se temia, o filme de Abrams é muito bem resolvido e dialoga de maneira positiva com a série original. Aqui, os efeitos especiais são bonitos, mas importam menos que os dilemas humanos: amizade, amor, enfrentamento da morte.

Esteticamente, o espaço sideral navegado pelos herois apresenta tons coloridos que remetem ao tempo em que cenários eram pintados à mão. E há sequências de ação e novos efeitos para velhos recursos, como o teletransporte e o Warp drive (dobra espacial). Assim, a atmosfera original foi respeitada e devidamente atualizada às exigências estéticas do novo século. O que deve colocar os fãs antigos lado a lado com uma nova geração.

* publicado no Diario de Penambuco

Cineclubistas se reúnem no Recife

Cineclubes são importantes não somente por serem canal de exibição de clássicos e de escoamento da produção independente, mas principalmente por criar um ambiente de reflexão e troca de ideias. No Recife, várias gerações de cineastas partiram para a criação após frequentar esses espaços, que atualmente se multiplicam sob auspícios das políticas públicas estadual e federal. Hoje e amanhã, mais um passo será dado nesse sentido, com a realização da etapa pernambucana do Circuito em Construção.

O evento reúne iniciantes e iniciados para discutir leis de incentivo, sustentabilidade, direitos autorais, programação e organização dessa atividade quase tão antiga quanto o próprio cinema. As atividades começam logo cedo, no Museu do Estado de Pernambuco (Avenida Rui Barbosa, 960 - Graças). A inscrição é gratuita.

A amplitude do encontro é estadual, mas estarão presentes autoridades no assunto vindas de outros locais do país, como Antonio Claudino de Jesus, presidente do Conselho Nacional de Cineclubes (CNC), e Frederico Cardoso, que coordena o Cine Mais Cultura, uma das ações do Ministério da Cultura.

"A experiência tem sido absolutamente inovadora", disse Claudino, do CNC, entidade da qual fazem parte mais de 300 cineclubes. "O resultado mais bacana é a organização local, o que permite o surgimento de redes alternativas de exibição. Nosso maior objetivo é ter uma rede nacional sustentável e consolidada até 2010".

A ideia de promover um encontro de cineclubes em cada estado do Brasil partiu da Associação Cultural Tela Brasilis, do Rio de Janeiro, com o apoio da Secretaria do Audiovisual do MinC, CNC e Programadora Brasil. Em julho do ano passado, eles organizaram um seminário em que compareceram pelo menos um ponto de exibição de cada estado, com exceção do Acre e Pernambuco.

De lá para cá, o Circuito em Construção promoveu encontros nos estados do Maranhão, Rondônia, Paraíba e Rio Grande do Norte. No Recife, quem organiza o evento é a Fundarpe, por meio da coordenação de Cinema, Vídeo e Fotografia. Informações e credenciamento: 3184-3074.

Para entender o Cinema Novo



Glauber Rocha decretou o fim do Cinema Novo por volta de 1970, quando deixou o país para plantar sementes de sua revolução particular na Itália, Espanha, Cuba e países africanos. Quarenta anos depois, o que podemos aprender com essa experiência, que buscava independência estética e política para o cinema nacional? Respostas prontas, não há. Uma investigação coletiva pode render mais. E é precisamente isso o que propõe o Cineclube Coliseu, que inicia hoje um ciclo especial dedicado ao Cinema Novo.

Durante o mês de maio, a mostra O velho Cinema Novo: Re-visões apresentará 16 filmes realizados por 11 diretores que fizeram, influenciaram ou refletiram esse movimento que parece não esgotar interpretações. O acesso às sessões (veja quadro) é gratuito. Nos sábados haverá a presença de especialistas no assunto: os críticos de cinema Alexandre Figueirôa e Celso Marconi, e o artista Jomard Muniz de Brito, que conheceu e trocava cartas com Glauber.

"São filmes queretratam o povo sem um olhar exotizante, mas dentro de uma perspectiva revolucionária", diz Figueirôa, cuja tese de doutorado estuda a presença do Cinema Novo em revistas francesas como Cahiers du Cinema e Positif. Amanhã, ele instigará debate após exibição dos curtas Aruanda (1960), de Linduarte Noronha e Arraial do Cabo (1959), de Paulo Cézar Sarraceni e Mário Carneiro, e o longa Porto das caixas (1962), de Sarraceni. "Eles são importantes porque ocorrem quando o grupo começa a se mobilizar em torno da ideia do Cinema Novo. Apontam as opções formais que o movimento irá tomar".

Marco do cinema documental brasileiro, Aruanda chamou atenção ao contrariar a ideia de modernidade propagandeada pelo governo Juscelino Kubitschek, ao expor a vida num quilombo perdido no Sertão da Paraíba. De forma que Glauber encontrou no filme de Noronha o viés social que sentiu falta em O pátio (1959), seu primeiro curta.

Capturada pelo fotógrafo pernambucano Rucker Vieira, a luz atípica de Aruanda também arrebatou o olhar do jovem cineasta, que ali encontrou uma das bases para alcançar a imagem que precisava para sua "estética da fome". Tendo trabalhado nos anos 70 com a geração do Super 8, com diretores como Fernando Monteiro, Fernando Spencer e Jomard Muniz, Vieira morreu em 2001, praticamente no anonimato.

Coliseu - Desde 2008, quando foi criado pelo jornalista Rodrigo Dourado, o Cineclube Coliseu é mantido pelo Sesc Casa Amarela e organizou mostras de animação, cinema francês, alemão, videoarte, festival do minuto e de curtas apresentados no Festival de Brasília. "A próxima etapa será fazer a mostra de outras fases do cinema nacional, como de filmes da Boca do Lixo", revela Dourado. A mostra atual foi elaborada a partir de acervo disponibilizado pela Programadora Brasil, da qual o Sesc é ponto de exibição.

Serviço
Mostra O velho Cinema Novo: Re-visões

Onde: Cineclube Coliseu (Sesc Casa Amarela - Avenida Professor José dos Anjos, 1109)
Quando: Sextas e sábados, de hoje a 23 de maio
Informações: 3267-4410
Entrada franca

Programação

Hoje (sexta), às 19h
Curta: Pedreira de São Diogo (1962), de Leon Hirszman
Longa: Bahia de Todos os Santos (1960), de Trigueirinho Neto

Amanhã (sábado), às 14h
Curtas: Aruanda (1960), de Linduarte Noronha e Arraial do Cabo (1959), de Paulo Cézar Sarraceni e Mário Carneiro
Longa: Porto das caixas (1962), de Paulo Cézar Sarraceni
Debatedor: Alexandre Figueirôa


Dia 15 (sexta), às 19h

Curta: A velha a fiar (1964), de Humberto Mauro
Longa: São Paulo S.A (1965), de Luís Sérgio Person

Dia 16 (sábado), às 14h
Curtas: Abry (2003), de Joel Pizzini e Paloma Rocha; A voz do morto (1993), de Sérgio Zeigler e Vitor Ângelo; A degola fatal (2004), de Clóvis Molinari e Ricardo Favilla; e Amazonas, Amazonas (1966), de Glauber Rocha
Longa: Deus e o Diabo na terra do sol (1964), de Glauber Rocha.
Debatedor: Jomard Muniz de Britto

Dia 22 (sexta), 19h
A João Guimarães Rosa (1968), de Roberto Santos
Bebel, garota propaganda (1967), de Maurice Capovilla

Dia 23 (Sábado), às 14h
Curta: Brasília, contradições de uma cidade nova (1967),de Joaquim Pedro de Andrade
Longa: Macunaíma (1969), de Joaquim Pedro de Andrade
Debatedor: Celso Marconi

*publicado no Diario de Pernambuco

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Fundarpe apresenta plano para economia da cultura

A Fundação do Patrimônio Artístico e Cultural de Pernambuco apresentou seu Plano de Apoio para o Desenvolvimento da Economia da Cultura do Estado, a ser gerido pelo recém-criado Núcleo de Apoio à Economia da Cultura. No evento, realizado na segunda-feira, fizeram as honras, para um público de aproximadamente 100 pessoas, Luciana Azevedo, presidente da Fundarpe e Edgar Andrade, responsável pelo novo núcleo.

Nessa primeira versão, o plano prevê um conjunto de dez ações, entre elas o levantamento do Produto Interno Bruto (PIB) da cultura, algo inédito no estado. De acordo com a Fundarpe, somente em 2008, o investimento feito pela instituição gerou quase 120 mil postos de trabalho temporários, que geraram produtos e eventos usufruídos por 19 milhões de pessoas. Para dimensionar melhor esses números, basta comparar com os 70 mil postos temporários gerados pela economia da cana-de-açúcar no mesmo período. "Não temos uma estimativa de quanto a cultura gera para o estado", disse Andrade, que por isso pretende fazer um mapeamento da cadeira produtiva da cultura.

Em seu discurso, Luciana ressaltou a necessidade de construir um novo modelo de desenvolvimento. "Alguns têm usado a economia da cultura para desinvestir na cultura, e isso é algo indefensável". Enquanto Andrade descreve essa primeira versão do plano como "uma provocação". "Queremos que todo o setor produtivo se envolva, pois essa discussão é muito nova no país, e temos poucas informações e referências. Precisamos da experiência de produtores e artistas para acelerar esse processo", disse o gestor.

O lançamento, realizado no Cinema da Fundação, ainda promoveu sessão inédita no Recife de Tudo isto me parece um sonho, documentário sobre a vida do General Abreu e Lima, com direção de Geraldo Sarno, e participação do especialista no tema, o professor Vamireh Chacon.

Rodado no Brasil e Venezuela e premiado no último Festival de Brasília, o longa foi exibido como símbolo dos esforços da Fundarpe e Odebrecht (patrocinadora do filme)em inserir o estado no Mercosul Cultural e países da América Latina. A Odebrecht é parceira do Núcleo de Economia da Cultura e apoiará ações desenvolvidas pela Fundarpe. Em fase de planejamento, estão uma missão audiovisual na Venezuela (em parceria com a Ancine) e o intercâmbio cultural com Buenos Aires.

Ao apresentar o filme, Chacon defendeu a entrada da Venezuela no Mercosul. "Se não houver Mercosul Cultural, não haverá o econômico, pois as divergências culturais entre os países são entraves ao comércio", disse, para então exaltar o pioneirismo de Abreu e Lima na busca desse intercâmbio cultural, até hoje à procura de melhor definição.