sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Cinema em transição



O processo de transição do cinema analógico para o digital está quase chegando ao fim. De acordo com a revista francesa Cahiers du Cinema, em 2015 a película, que no último século foi o padrão, estará definitivamente fora do mercado de produção e exibição comercial. A extinção do suporte fotoquímico, no entanto, não deve ser motivo de choro ou comemorações. Por falta de padrões e normas, o cinema digital dificilmente chega aos olhos do público em condições aceitáveis. Sem falar que a realidade brasileira ainda esta longe do ideal: menos de 20% do circuito de exibição está equipado com projetores digitais.

Especialista no assunto, diretor de fotografia e um dos fundadores da Associação Brasileira dos Cinematografistas (ABC), Carlos Ebert está no Recife para uma oficina de cinematografia digital, focada no uso cada vez maior de câmeras fotográficas que filmam em HD, como a Cannon 5D. Aproveitando a presença do mestre na cidade, ele conduzirá o debate A transição no cinema – no fazer e no exibir, hoje, as 19h30, no Cinema da Fundacao (Derby), com entrada franca.

Carlos Ebert tem nas credenciais o filme O bandido da luz vermelha, de Rogério Szgarnzela, cultuado por várias gerações. Entre os trabalhos mais recentes estão os curtas da Trilogia do esquecimento, de Rodrigo Grota, cujo último tomo, Haruo Ohara, acumula 27 prêmios. Outro trabalho recente, Rivelino, ganhou prêmio especial do júri em Gramado. “Sou muito procurado pelos jovens. Eu gosto deles, porque trazem problemas novos, indagações diferentes. Do pessoal da minha geração, já sei tudo o que posso esperar”.

Entrevista >> Carlos Ebert: "O público no Brasil não reclama, aceita tudo”

O cinema analógico acaba mesmo em 2015?
Em 2015, não sei, mas algumas notícias indicam que sim. A mais recente é que os fabricantes de câmeras fotoquímicas só produzirão sob encomenda.

Se a tecnologia permite, por que isso não aconteceu antes?
A captação e a projeção eram os últimos baluartes do sistema fotoquímico, todo o resto já é feito em digital. O que atrapalhou um pouco a transição foi a crise nos EUA e agora na Europa. Digitalizar as salas é um investimento alto.

Filmar em 35mm se tornará luxo, um capricho para poucos?
Vai virar uma exceção, alguns cineastas não vão abrir mão, pois tem algo geracional, de hábito, que não se consegue se desvencilhar. David Lynch e, no Brasil, Fernando Meirelles, já declararam que não pretendem mais trabalhar com filmes fotoquímicos. Acredito que a maioria fará o mesmo, principalmente quem cresceu assistindo TV e jogando videogame. O (Abbas) Kiarostami rodou Cópia fiel com uma Red One. Não é um grande equipamento, e mesmo assim não senti nenhuma perda de qualidade artística ou técnica. Não há mais diferença de qualidade entre cinema digital analógico. Talvez de textura, um aspecto inerente à natureza da imagem. Os pontos que formam a imagem fotoquímica são randômicos, distribuídos aleatoriamente dentro do frame, o que gera uma textura que se movimenta, parece estar viva. Enquanto a digital é uma malha fixa de pixels. Tudo isso pode ser comparado, a impressão subjetiva não. É como comparar pintura de aquarela com a técnica em acrílico.

A aparência “imperfeita” do 35mm se tornará recurso de linguagem para o cinema digital, como se faz na musica com o ruído dos discos de vinil?
Sim, programas fazem essa metamorfose, provocam vibrações do quadro e até os riscos, a sujeira. Agora, a natureza da imagem nunca vai ser igual. Dá pra mimetizar, mas não passa de um simulacro.

Alguns diretores ainda preferem exibir seus filmes em 35mm porque a projeção digital pode ser algo imprevisível. Como superar esses problemas?
Com uma normatização. O problema é que nem as projeções em 35mm cumprem a norma técnica. Vou ao cinema com meu equipamento de medição de luz, e aluminância da tela sempre está abaixo, a imagem com diferença de foco do cento pra borda da tela. O cinema digital começou nesse caos. O sistema brasileiro não segue o padrão universal, o DCI. Estamos na terra de ninguém. Isso nos levou ao manifesto da ABC, para apontar direções e dar parâmetros mínimos para o filme chegar aos olhos do espectador com o mínimo de qualidade.

E quais são os parâmetros mínimos?
Cada etapa tem os seus. Na captação, o Full HD é aceito como cinema digital, mas mundialmente, precisa ter no mínimo 2.048 linhas, que é o famoso 2K. Quando começaram a digitalizar salas comerciais, a resolução era 720x1.440, que é abaixo do Blu-Ray. Até hoje usam um codec que é uma variante do Windows Media Player. Isso gera todos os tipos de problema. Na Mostra de São Paulo, por exemplo, fiquei desesperado quando assisti a um filme em que trabalhei. Naquele dia, todos os curtas foram exibidos com problemas. Hoje, grandes festivais só aceitam inscrições de filmes digital no padrão DCI.

E o público, como pode se orientar?
O público no Brasil não reclama, tende a aceitar tudo. Não existe a cultura de exigir pelo que pagou. Os exibidores sabem disso e tiram proveito. Não achamos que outros formatos de qualidade inferior sejam eliminados, mas sim, existir em outro lugar, não em uma sala que cobra R$ 20 pela entrada. Se não, as pessoas vão passar a ver filmes em casa, alguns equipamentos cada vez mais baratos, com qualidade muito melhor do que a média das salas de cinema.

(Diario de Pernambuco, 16/12/2011)

Um comentário:

Anônimo disse...

Hoje em dia, geralmente, muitas pessoas assistem filmes desde as suas casas, com uma qualidade de imagem muito boa.
Também, um artista de impressão coloca suas obras de forma virtual e pode vender dessa mesma forma.