segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Criatividade é a moeda do futuro



Muito se fala que a criatividade é uma das maiores riquezas dos brasileiros. Pois ela se tornou a mais nova aposta de crescimento do país. Ao reunir cultura, tecnologia da informação, inovação e mercado, a economia criativa é a bola da vez para um país prestes a receber o Rio+20, Copa 2014 e Olimpíada 2016. Demorou, mas se tornou estratégica o suficiente para se tornar política de estado. Em Pernambuco, o governo do estado investirá R$ 11,25 milhões para colocar em prática um plano batizado Pernambuco Criativo.

A ideia é promover o diálogo entre música, cinema, moda, gastronomia e design de atividades como tecnologias de comunicação, desenvolvimento de software e games para construir novos modelos de negócio, como o crowdfunding e o ecodesign. Desde 2010, o Porto Digital tem convocado empresários, produtores e artistas para compor as diretrizes do projeto Porto Mídia. “É uma junção de esforços para agregar valor e inovação às cadeias tradicionais”, diz Verônica Sampaio, gerente de segmentos da Secretaria de Desenvolvimento Econômico.

De acordo com Verônica, o grande desafio é superar a falta de profissionalização. “Teremos um centro de referência de moda, um escritório de projetos criativos e cinco pólos de economia criativa. O primeiro será efetivado quando o Porto Digital ampliar o equipamento para Olinda e Jaboatão”.

A Secretaria de Cultura também tem seu próprio ponto de vista. “Nossa proposta é inclusiva”, diz Luciano Gonçalo, coodenador de economia criativa da Fundarpe. “Inovação não é, necessariamente, hi-tech. A economia criativa precisa focar em setores tradicionais, que precisam de maior aporte de recursos para gerar emprego e renda, respeitando a diversidade e identidade, para que não seja conduzida à mera mercantilização. As políticas têm que se adequar às realidades e ouvir as comunidades, para desenvolver com elas um modelo colaborativo e sustentável”.

Para aprofundar a discussão, foi organizado o 1º Encontro Criativo, que começa hoje no Teatro Hermilo Borba Filho (Cais do Apolo, Recife Antigo). Participam do evento especialistas, produtores e gestores públicos como Cláudia Leitão, chefe da recém-criada Secretaria de Economia Criativa do Ministério da Cultura. Ela vem ao Recife assinar o convênio para a abertura do Criativa Birô, que será o primeiro escritório de apoio a projetos criativos do Nordeste.

Entre os apoiadores do Encontro Criativo, estão o Consulado da Alemanha no Recife e o British Council (Inglaterra), que mantém com o Brasil acordos de cooperação. Convidado para conhecer a indústria criativa alemã (Berlim foi nomeada pela Unesco como uma das Cidades do Design), o professor da UFPE Hans Waechter diz que o polo têxtil do Agreste tem muito a aprender com o modelo germânico. “Berlim recebeu um megainvestimento para criação e comercialização de produtos voltados para a sustentabilidade. O mesmo pode ser feito em Pernambuco, pois o polo é marcado por desenhos sem criatividade, boa parte copiados e de ciclo muito rápido. O ideal é promover uma estrutura que traga benefícios sociais para todos os envolvidos”.

Depoimentos

"A economia criativa é o nosso futuro. Temos vocação para ser a Cidade da Música, mas em 11 anos de programa multicultural, o poder público não entendeu que não basta promover eventos. O Recife tem que ter uma rádio. Os gargalos são os mesmos, casas noturnas duram no máximo seis meses. Temos uma produção musical aplaudida nos principais palcos do mundo, mas absolutamente desconhecida na própria cidade. A Prefeitura do Recife é a maior contratante de shows do Norte-Nordeste, e ela paga às bandas um cachê que o mercado privado não consegue alcançar. Não forma público” - Paulo André Pires, produtor cultural

"A grande chave da economia criativa é a característica de integrar diversas áreas do conhecimento. Na produção de conteúdo, ela aproxima áreas como cinema, animação, música, games. Mesmo com todo o potencial que Pernambuco tem, essa convergência era algo evidente, mas até agora não aconteceu. Hoje há uma mudança radical de paradigmas de consumo e produção, o mercado se configura de forma peculiar. A partir de uma chancela institucional, é possível atrair investimentos e configurar uma cultura de fato sustentável, capaz de entender que mercado esse, bem mais abrangente o que pensamos” - Leo Falcão, cineasta

"Precisamos saber qual conceito será desenvolvido para inserir as culturas tradicionais no mercado. Não adianta estabelecer um processo de cima pra baixo, sem escutar os produtores culturais. Na Zona da Mata, temos uma rede estruturada, com rádio, editora, festival, agência de projetos. Em termos de economia criativa, estamos muito mais organizados que o Recife. É uma economia que se baseia na apropriação dos meios de produção pelas comunidades. Artista não é operário, é protagonista” - Afonso Oliveira, produtor cultural

Para redesenhar espaços públicos - A implantação do Criativa Birô no Recife será a primeira ação concreta para dinamizar e garantir infraestrutura para a economia criativa em Pernambuco. O escritório funcionará na Casa da Cultura, no bairro de Santo Antônio, e deve ser inaugurado em agosto de 2012. “Ofereceremos apoio e serviços de uma incubadora como assessoria técnica, jurídica e de gestão de estrutura e marketing, sem, no entanto, tutelar o projeto”, explica Luciano Gonçalo, coordenador de economia criativa da Fundarpe. “Queremos aprofundar relações e dar suporte técnico para as comunidades tradicionais conseguir autonomia e empoderamento. A ideia é facilitar a troca de experiências, a formação de coletivos e redes aonde elas estão inseridas”.

Presidente da Federação Nacional da Economia Criativa, Edgar Andrade passou os últimos quatro anos no Governo do Estado, onde agora atua como consultor. Ele diz que o papel da economia criativa é desenhar modelos que provoquem a melhoria na qualidade de vida para todos. “Segundo a Unesco, precisamos investir na reconstituição dos valores culturais, pois eles mantêm as cidades vivas e habitáveis, proporcionando bem estar, trabalho e lazer”.

Daí o conceito de cidades criativas, que possam contribuir na mudança de comportamento. “Elas promovem um efeito multiplicador absurdo. Não se trata de jogar artistas num bairro ou colocar uma banda na esquina, mas de redesenhar os espaços públicos. Condomínios artificiais não refletem a alma da cidade, mas sim, as praças. Uma experiência em construção é o projeto que juntou uma empresa de TI a outra de administração. Eles criaram uma narrativa de game, com experiências interativas, para um museu de São Paulo. Outro exemplo é o projeto The Fun Theory, que transformou uma escada do metrô de Estocolmo em um piano, para que os passageiros a utilizem na hora do rush. A ideia é procurar esse tipo de soluções aqui”.

Entrevista >> Lala Deheinzelin: "Recursos intangíveis são infinitos"



Especialista em economia criativa, a paulista Lala Deheinzelin tem atuado como palestrante, pesquisadora e consultora para diferentes organizações, como a Petrobras, Basf, BNDES e Unesco. No Recife, ela participa da abertura do Encontro Criativo hoje, às 19h, no Teatro Apolo. Na entrevista a seguir, fala sobre a importância do tema para a soberania do país.

Por que a economia criativa é estratégica?
Estamos na passagem da sociedade industrial para sociedade em rede. Na primeira, a riqueza e qualidade de vida é gerada a partir de recursos materiais, como terras, minérios e petróleo. A economia criativa tem o mesmo processo, só que em vez de trabalhar com recursos materiais, a riqueza é gerada a partir de recursos intangíveis, como a cultura e o conhecimento. Isso é estratégico porque os recursos materiais são finitos, enquanto os intangíveis são abundantes, infinitos e se multiplicam com o uso.

Qual o papel do governo nesse processo?
É o mesmo com relação ao pré-sal. O poço de petroleo só se justifica se puder gerar riqueza para todos. Todos os países onde se avançou na economia criativa tiveram apoio do governo, pois é preciso estrutura, criação de leis que a priorizem como estratégias de desenvolvimento. No Brasil, as leis são inadequadas ao século 21.

Que estratégias são essas?
Que levem ao desenvolvimento não da economia criativa, mas do país, através dela. As políticas ficam focadas na erradicação da miséria, mas não no reconhecimento das fontes de riqueza. Pernambuco é riquíssimo em diversidade cultural, mas não existe investimento no processo que a transforme em riqueza. No Brasil, quem mais se movimenta é o Rio e Pernambuco, mas o estado mais bem preparado ainda é a Bahia. Eles sabem que seu valor está na cultura e todos fomentam isso porque sabem que é o atrativo, a marca. É o que vai gerar negócios em qualquer área.

Por que outros países estão interessados na economia criativa brasileira?
São vários interesses. A visão positiva é que, para o mundo se desenvolver, é preciso acabar com a miséria. Outra, menos positiva, que precisamos ficar atentos, é que o intangível é um valor, um patrimônio. Já houve um processo de colonização dos bens tangíveis e pode estar em curso o mesmo processo para os intangíveis, a “matéria-prima” da vez. Tudo depende de como será conduzido, de como se estabelecem essas relações. A nossa grande questão é que ainda não temos parâmetros suficientes para medir o intangível. Por isso, ele continua invisível. Ou, porque é interessante para alguns, invisibilizado.

Saiba mais

Economia criativa é um conceito em evolução, baseado em conhecimento e recursos criativos potenciais para gerar crescimento econômico e desenvolvimento.

1. Pode estimular a geração de renda, criação de empregos e receitas de exportação, promovendo a inclusão social, diversidade cultural e desenvolvimento humano;

2. Abrange aspectos econômicos, culturais e sociais que interagem com a tecnologia, propriedade intelectual e turismo;

3. É um conjunto de atividades econômicas baseadas no conhecimento com uma dimensão de desenvolvimento e ligações transversais com a economia global;

4. É uma opção de desenvolvimento viável que pede respostas inovadoras e políticas multidisciplinares de ação interministerial.

Fonte: Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento

Programa do seminário Encontro Criativo 2011
Teatro Hermilo Borba Filho (Cais do Apolo, Bairro do Recife. Fone: 3355-3320)

Hoje
14h - Ambientes criativos e sustentabilidade na economia criativa, com Júlia Zardo (PUC-RJ).
19h - A economia criativa hoje e no futuro, com Cláudio Ferrário e Lala Deheinzein.
20h - Café-conversa com participantes do encontro.

Amanhã
9h - 2030 - Consumo e demanda de produtos culturais, formação, inclusão e diversidade, modelando novos cenários, com Lala Deheinzein, Paulo Miguez e Luciano Gonçalo (mediador).
11h - Empreendedorismo e inovação gerando novos negócios e influenciando mercados, com Júlia Zardo, Geber Ramalho e Edgar Andrade (mediador).
14h - Conceitos e desenvolvimento histórico das políticas públicas de economia criativa. Apresentação do Plano Nacional de Economia Criativa, com Claudia Leitão (da Secretaria Executiva de Desenvolvimento de Negócio do SDEC).
16h - Fomento, sustentabilidade, financiamento. Como estimular a cultura empreendedora e a profissionalização, com Tibico Brasil, Marina Gama, Leonardo Salazar e Roberto Abreu (da Secretaria Executiva de Desenvolvimento de Negócio do SDEC).

Quarta-feira
9h - Bacias criativas, consórcio de municípios para o desenvloimento da economia criativa no interior, com representantes do CIDSEM-GO, MinC e da sub-chefia da Presidência da República.
10h - Observatório da cultura e pesquisa de consumo dos espetáculos de teatro em Pernambuco, com Álvaro Santi e Célio Pontes.
14h - As experiências dos ecossistemas criativos em Pernambuco, Buenos Aires e Reino Unido, com Chico Saboya, Renata Camelo e Caroline Parkinson (Escócia).
16h - Pernambuco criativo - Ações em deselvolvimento, com Geraldo Júlio, Fernando Duarte e Márcio Stefanni.

(Diario de Pernambuco, 12/12/2011)

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