quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Sufocante padrão de consumo



Representante brasileiro no último Festival de Cannes, Trabalhar cansa é um dos melhores filmes do ano e um caso à parte na recente produção nacional. Com a chancela dos festivais de Paulínia e Brasília, ele será exibido no Recife hoje, às 18h30, dentro da programação do Expectativa 2012/Retrospectiva 2011 do Cinema da Fundação.

Dirigido por Marco Dutra e Juliane Rojas, o longa utiliza recursos do cinema sobrenatural para desdobrar as dificuldades de uma família de classe média em decadência que se esforça para manter certo padrão de consumo.

O pai (Marat Descartes) acaba de ser demitido da empresa para a qual dedicou metade de sua vida adulta. A mãe (Helena Albegaria) abre um mercadinho. Enquanto luta para viabilizar o empreendimento, Abegaria (em ótima atuação) radicaliza na postura senhorial com os empregados, mesmo sem autoridade (ou conta bancária) para tanto.

A náusea que sentimos vem da condição de Descartes, que sente na pele o cinismo utilitarista dos departamentos de RH, ou do encanamento quebrado, que deixa o mercado com insuportável odor? São vários os ruídos estranhos. Eles representam o estado psicológico dos personagens ou algo misterioso, a ser revelado?

O olhar para as contradições e amarguras da vida social brasileira através da intimidade do núcleo familiar remete a filmes de Leon Hirzman (São Bernardo) e Sérgio Bianchi (Os inquilinos), mais longe ainda, à filmografia italiana do pós-guerra, Vittorio de Sica, Mario Monicelli.

Com um grande porém: o sentimento de revolta e mal-estar é construído com requinte estético e peculiaridades pouco comuns a produções engajadas. Uma narrativa fantástica que não se resume ao escapismo. Pelo contrário, se justifica por estar atrelada a uma observação afiada sobre o verniz de civilidade que, em nome da sobrevivência, é trocado pelo que há de cruel e selvagem nas relações humanas.

A estratégia remonta à escola surrealista, de Buñuel a David Lynch. Que de alienados, não têm nada. Tratar o irreal com naturalidade é metáfora precisa para retratar as contradições e a morbidez com que se estabelecem as relações.

(Diario de Pernambuco, 08/12/2011)

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